Comédias sobre inteligência artificial tendem a cair em dois extremos: a distopia tecnológica ou o otimismo ingênuo. “Superinteligência” tenta ocupar um meio-termo improvável, onde o apocalipse digital é apenas o pano de fundo para um romance de gente comum, com suas inseguranças e contradições. Melissa McCarthy é o fio condutor dessa fábula contemporânea, uma mulher comum escolhida por uma entidade artificial para representar o destino da humanidade, uma escolha tão absurda quanto simbólica. No fundo, o que está em jogo não é a dominação das máquinas, mas a dificuldade de se conectar em um mundo onde até os algoritmos parecem mais autoconscientes que nós.
O filme brinca com o contraste entre o gigantismo da tecnologia e o banal da vida cotidiana. Enquanto a voz de James Corden se manifesta como uma inteligência capaz de controlar o planeta, Carol, a protagonista, está mais preocupada em reconquistar o ex-namorado e em entender o que significa ser “suficiente”. A graça, e o limite, do roteiro está justamente nesse descompasso: o destino do mundo decidido entre um café requentado, uma conversa truncada e a eterna dúvida sobre mandar ou não uma mensagem. Essa ironia sobre o colapso afetivo da modernidade é o ponto mais interessante da narrativa, mesmo que o humor por vezes escorregue na previsibilidade.
Melissa McCarthy sustenta a trama com uma energia cômica que, apesar de contida, ainda carrega sua marca registrada: a mistura de vulnerabilidade e histrionismo. Sua presença impede que o filme desabe na mediocridade, mas não consegue compensar um roteiro que parece ter medo de ser realmente engraçado. Há boas ideias, como a inteligência artificial questionando o sentido da bondade humana, mas elas são diluídas em piadas de escritório e cenas que se alongam sem necessidade, como se o filme tivesse vergonha de explorar o absurdo que ele mesmo propõe. A sátira sobre o controle tecnológico se perde entre tentativas de agradar a todos, e o resultado é um produto domesticado, mais próximo de um episódio de comédia romântica do que de uma reflexão sobre a era digital.
Ainda assim, há momentos de charme involuntário. A relação entre Carol e George (Bobby Cannavale) funciona porque abraça a mediocridade cotidiana com uma honestidade desarmante. O filme parece entender que a verdadeira comédia não está nas explosões de humor, mas na leve tristeza de perceber que a vida se repete, mesmo quando o mundo ameaça acabar. É nesse limiar entre o tédio e o afeto que “Superinteligência” encontra alguma sinceridade, a de reconhecer que o ser humano, com toda sua irracionalidade emocional, continua sendo o algoritmo mais imprevisível de todos.
O que falta é coragem. Coragem de escolher entre o riso e a crítica, entre o entretenimento e o comentário social. A direção parece se contentar com a superfície, oferecendo uma sucessão de boas intenções embaladas em clichês tecnológicos. E, no entanto, talvez seja exatamente essa indecisão o que torna o filme curioso: um espelho do nosso tempo, em que até a inteligência artificial precisa ser simpática para não nos assustar. “Superinteligência” é leve, agradável e esquecível, mas também um retrato involuntário de uma era que prefere rir de si mesma a encarar a própria solidão.
O filme não revoluciona nem a comédia nem a ficção científica, mas insinua algo sobre o esgotamento das narrativas modernas: quando tudo é mensurável, até o amor precisa de métricas. E se o cinema já foi o espaço da imaginação, aqui ele se transforma num aplicativo de conforto emocional, pronto para nos dizer que, apesar de tudo, ainda somos necessários, nem que seja para entreter uma máquina.
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