Thriller de ação com Gerard Butler é aula de geopolítica no Prime Video Divulgação / MBC Studios

Thriller de ação com Gerard Butler é aula de geopolítica no Prime Video

A história recente do cinema de guerra frequentemente se apoia em duas muletas previsíveis: heroísmo genérico e vilanização automática de quem ocupa o outro lado da mira. “Missão de Sobrevivência” parte exatamente do terreno em que essas distorções se tornaram regra, mas não se satisfaz com a repetição automática de códigos. Há um esforço evidente para inserir o espectador em uma região geopoliticamente fraturada, onde a violência não nasce do vazio, e onde ninguém está completamente certo ou definitivamente errado. Isso não transforma o filme em um tratado moral, muito menos em um exercício de autocrítica contundente, mas já o distingue da tradição mais rasteira do gênero.

O protagonista, vivido por Gerard Butler, um agente ocidental especializado em operações clandestinas, inicia o percurso acreditando ser parte de uma engrenagem necessária, útil e legitimada por propósitos superiores. Porém, o próprio filme revela uma contradição: quanto maior a urgência de escapar de território hostil, mais evidente se torna que aquele personagem não é apenas um alvo de perseguição, mas alguém que participou ativamente de um ciclo de interferências externas que ajudou a desestabilizar a mesma terra que agora deseja abandonar. O roteiro não transforma esse dilema em catarse. Pelo contrário, prefere mantê-lo como ruído incômodo, deixando que o espectador perceba o vazio ético acumulado ao longo da missão.

Ainda assim, “Missão de Sobrevivência” não se dedica por completo ao aprofundamento dessas tensões. A ação é um componente significativo, e muitas vezes o predomínio das perseguições acaba sufocando a possibilidade de reflexão mais aguda. A estética noturna, por exemplo, opta por uma proximidade quase documental com o caos: pouca visibilidade, ruídos sem hierarquia, deslocamento confuso. Esse tipo de encenação reforça o comprometimento com a perspectiva de quem corre pela própria vida, mas ao mesmo tempo limita a apreensão intelectual do espaço. O espectador se vê aprisionado na adrenalina, raramente convidado a ampliar o campo de visão.

Há, no entanto, um ponto que merece reconhecimento: o filme rejeita a tradição racista que tratava a população local como massa uniforme de antagonistas. Os diferentes grupos que atuam no conflito têm motivações distintas, às vezes mutuamente exclusivas, e isso evita a infantilização de um contexto historicamente complexo. Ao inserir, por exemplo, personagens que lutam contra forças extremistas de dentro da própria comunidade, o filme reconhece que a realidade política de regiões como o Afeganistão transcende a fantasia simplista do “nós contra eles”. Esse é um avanço tardio, mas necessário.

O problema surge quando essa tentativa de abordagem mais responsável se acomoda em uma zona confortável. O protagonista é retratado como alguém que erra por circunstância, e não por convicção ou escolha ideológica. Seus desvios morais nunca são encarados com rigor. A violência que ele promove é sugerida como inevitável. Ao afastar qualquer julgamento sério das consequências das intervenções estrangeiras, “Missão de Sobrevivência” reafirma um mundo em que a sobrevivência do agente ocidental continua sendo prioridade narrativa, enquanto a instabilidade que ele ajuda a perpetuar permanece disfarçada atrás de objetivos urgentes.

Mesmo com essa limitação, o filme entende que a ação não funciona sem vínculos humanos minimamente estruturados. O relacionamento entre o agente e seu tradutor, por exemplo, fornece o mínimo de substância emocional para que as escolhas sejam percebidas como mais do que mero instinto de fuga. Essa parceria, construída na precariedade, expõe o abismo que separa alguém que pode deixar o país quando tudo terminar de alguém cuja existência continuará marcada pela desordem política que outras nações insistem em manipular a distância.

O desfecho adota uma rota conhecida: aceleração total do espetáculo bélico, explosões e improvisações que se afastam do tom moderado presente em parte do percurso. A mudança de escala pode até funcionar como catarse mecânica, mas esvazia parte das tensões éticas que haviam sido cuidadosamente insinuadas antes. Resta ao espectador a impressão de que “Missão de Sobrevivência” tinha a chance de ir além, mas recuou diante da necessidade de obedecer às expectativas do mercado da ação.

Ainda assim, trata-se de um filme que reconhece a impossibilidade de ignorar as contradições políticas do ambiente em que se situa. Pode não enfrentá-las com a firmeza que deveriam receber, mas deixa escapar o suficiente para que qualquer olhar mais atento perceba que, sob a fumaça dos disparos, permanece viva a pergunta que a indústria há muito adia: quem realmente deve prestar contas quando a guerra não é a resposta, e sim a causa do problema?

Filme: Missão de Sobrevivência
Diretor: Ric Roman Waugh
Ano: 2023
Gênero: Ação/Drama/Suspense/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Fernando Machado

Fernando Machado é jornalista e cinéfilo, com atuação voltada para conteúdo otimizado, Google Discover, SEO técnico e performance editorial. Na Cantuária Sites, integra a frente de projetos que cruzam linguagem de alta qualidade com alcance orgânico real.