Comédia que vai gritar os silêncios incômodos do sexismo está no Prime Video e vai te fazer rir enquanto dói Divulgação / The Wonder Company

Comédia que vai gritar os silêncios incômodos do sexismo está no Prime Video e vai te fazer rir enquanto dói

A partir do momento em que a paternidade deixa de ser uma possibilidade distante e passa a ocupar o centro das responsabilidades do indivíduo, toda noção de liberdade começa a ser revista. “Sacramento” se estrutura exatamente nesse ponto de ruptura: quando a expectativa de amadurecimento não é mais uma sugestão cultural, mas um fato que exige atualização do próprio sujeito. Michael Angarano, roteirista, ator e diretor, parte de dilemas reconhecíveis para propor uma reflexão sobre como homens contemporâneos lidam com papéis que historicamente negaram em benefício da evasão emocional.

A narrativa acompanha dois amigos em deslocamento, mas o destino físico pouco importa. A viagem apenas acelera aquilo que já vinha se acumulando: frustrações, negligências, atrasos afetivos. A rapidez com que o trajeto entre Los Angeles e Sacramento se resolve reforça que o espaço essencial não é o mapa rodado, mas o território interno desses personagens, que se veem confrontados pelo que evitaram durante anos. O filme, portanto, não celebra a fuga; utiliza-se dela para revelar que fugir não resolve aquilo que se carrega.

O texto se concentra especialmente na masculinidade hesitante representada por Angarano: um sujeito incapaz de traduzir suas responsabilidades em ações concretas, preso a uma configuração juvenil que já não lhe pertence. Em contraste, a personagem interpretada por Michael Cera habita o que seria o “homem em processo”. Ele internaliza as angústias, mas tenta ordená-las. Seu desconforto cômico é menos distração do público e mais mecanismo de defesa diante daquilo que teme reconhecer. Há em sua atuação uma gravidade submersa, facilmente ignorada se o espectador optar apenas pelas piadas.

As mulheres surgem como contraponto fundamental. Kristen Stewart, mesmo sendo vista com frequência em quadros restritos, representa a consciência que o protagonista prefere distanciar. Sua presença, ainda que mediada por telefonemas, opera como lembrete da vida real em curso: gestação, decisões, tempo que não aguarda a maturidade emocional masculina. Maya Erskine reforça esse movimento ao não se permitir ser atravessada pela imaturidade dos homens ao redor. Elas sustentam o eixo da racionalidade, enquanto eles discutem o mapa e ignoram a rota.

Ben Mullen, diretor de fotografia, encontra uma forma discreta de registrar essa transição entre impulsividade e obrigação. A aparente simplicidade visual não é descuido: elimina distrações, organiza o olhar para os gestos que definem o caráter de cada um. A imagem não busca impactar; acompanha. A transparência do registro conecta-se com o desejo do filme de evitar glamourização dos conflitos. Não há ornamentação; há observação.

A tensão cresce à medida que os protagonistas deixam de atuar como cúmplices de escapismo e passam a se tornar espelhos um do outro. Amizades longas permitem essa fricção reveladora: o que se tolerou durante anos torna-se insuportável quando a vida avança para etapas que exigem participação ativa. O filme compreende essa dinâmica e a organiza sem pressa, respeitando o silêncio como parte do debate. Entre diálogos secos e pausas incômodas, o confronto se estabelece sem grandes explosões, como ocorre na realidade.

Há também um comentário sociológico implícito: a responsabilização masculina é frequentemente tratada como epifania tardia. Quando Angarano insere o próprio filho no elenco, torna evidente que não se trata de metáfora externa à sua experiência. O cinema, aqui, funciona como exercício de retrospectiva e correção — não para glorificar acertos, mas para admitir falhas. Esse gesto confere autenticidade ao filme e o afasta do mero entretenimento.

“Sacramento” entende que maturidade não é conquista, e sim processo contínuo. A jornada não resulta em resoluções catárticas. O que há é o reconhecimento daquilo que precisa ser corrigido com urgência. Se parte do público se identificar com o desconforto, não será por coincidência: o longa registra um sintoma amplo da geração que empurrou para o futuro tudo o que exigia compromisso.

O reencontro com este filme daqui a alguns anos poderá revelar se seus questionamentos foram temporários ou se permanecerão como lembrete de que crescer não pode ser adiado indefinidamente. “Sacramento” não aponta respostas, mas indica que ignorá-las já não é mais uma opção.

Filme: Sacramento
Diretor: Michael Angarano
Ano: 2024
Gênero: Comédia
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Fernando Machado

Fernando Machado é jornalista e cinéfilo, com atuação voltada para conteúdo otimizado, Google Discover, SEO técnico e performance editorial. Na Cantuária Sites, integra a frente de projetos que cruzam linguagem de alta qualidade com alcance orgânico real.