A primeira mordida em uma fruta madura costuma enganar: o sabor açucarado domina, seduz, promete uma experiência inesquecível. Depois de alguns segundos, percebemos que aquela doçura só estava escondendo a falta de complexidade. “Manga”, do cineasta iraniano Mehdi Avaz, funciona exatamente assim, vendendo o encanto solar do sul da Espanha como se bastasse um cenário idílico para que o romance entre duas pessoas muito diferentes se tornasse algo digno de lembrança. A superfície é deliciosa, mas não demora para que a falta de ousadia ameace todo o banquete emocional.
A protagonista, Lærke, vive aprisionada em sua própria eficácia profissional. Ela administra hotéis com a rigidez de quem confunde liderança com imposição e afeto com fraqueza. Vai de férias com a filha, mas a pausa é apenas uma fachada: seu verdadeiro objetivo é persuadir Alex, ex-advogado e guardião de um imenso cultivo de mangas, a abrir mão de suas raízes para alimentar o apetite corporativo de investidores nórdicos. Nada mais contemporâneo do que transformar paisagens e vidas em empreendimentos estéreis, sob o pretexto de desenvolvimento.
O conflito entre os dois segue o ritual básico do romance inimigos-que-vão-cedo-ou-tarde-se-apaixonar. Lærke, inicialmente caricatural na postura de predadora urbana, encontra em Alex uma resistência quase moral, como se ele encarnasse a Espanha pré-turística, onde o tempo passa sem pressa alguma. A química floresce mais por protocolo de gênero do que por complexidade emocional. Eles se estranham, se cutucam, terminam se encantando, como se o roteiro já tivesse decidido tudo antes mesmo de conhecer seus personagens.
Ainda assim, “Manga” possui uma arma sedutora: a luz. A câmera se apaixona pelas terras que retrata, e cada amanhecer parece pintado para agradar turistas nórdicos à procura de calor e vinho barato. Essa beleza ensolarada camufla a pouca ousadia narrativa, fazendo o público acreditar que a simplicidade é uma virtude e não uma escolha cômoda. Há planos que parecem clamar por um sentido maior, enquanto a história se limita a repetir fórmulas confortáveis.
O elo entre mãe e filha poderia ter sido a chance de elevar a experiência para além do flerte e da brisa quente. Porém, Lærke e Agnes têm embates previsíveis: a adolescente sente-se invisível, a mãe tenta compensar tardiamente. Quando a maturidade emocional enfim ameaça brotar, tudo se resolve sem grandes confrontos, como se qualquer conflito humano de verdade pudesse ser resolvido com uma taça de sangria e um passeio pela plantação.
Alex, interpretado com dignidade por Dar Salim, merecia menos superficialidade e mais contradições internas. O filme o reduz a símbolo do homem simples que guarda a sabedoria da terra, um tropeço perigoso que transforma cultura em estampa exótica para consumo estrangeiro. E Lærke, por sua vez, demora demais para abandonar seu verniz autocentrado, o que compromete o impacto de sua mudança tardia. O público percebe a intenção de torná-la mais humana, mas o arco narrativo parece mais uma obrigação do que uma consequência natural do que ela vive ali.
O maior dilema de “Manga” é acreditar que leveza significa abdicar de densidade. O romance pode até arrancar sorrisos em quem busca apenas conforto emocional, porém carece de coragem para tensionar os próprios temas: a disputa entre progresso e preservação, a desigualdade silenciosa entre turistas e locais, o capitalismo sentimental que transforma vidas em paisagens vendáveis. Nada disso ganha a devida carne.
E justamente aí nasce a pergunta que continua ecoando quando os créditos sobem: por que nos contentamos com histórias que se fingem de profundas enquanto abraçam a previsibilidade? Talvez porque o mundo anda pesado demais e a fantasia da felicidade fácil continue irresistível. Ainda assim, fica o desejo de que uma história tão ensolarada ousasse ir além das sombras que projeta.
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