Se você nunca viu esse filme, ainda não entendeu o que é cinema. É como tomar um tiro de adrenalina e amar cada segundo Divulgação / Sony Pictures Classics

Se você nunca viu esse filme, ainda não entendeu o que é cinema. É como tomar um tiro de adrenalina e amar cada segundo

O amor desafia a lógica. Quem ama de verdade  mente para defender o outro de suas próprias escolhas, sacrifica-se sem pedir nada em troca e acha que está agindo como qualquer um faria e aceita ser cúmplice da insânia alheia, talvez ansiando por evitar o mal maior. Há os que abdicam do autorrespeito e da reputação, traindo-se a si mesmo em nome de um sentimento poderoso. O impulso de ser também capaz de arriscar a pele e, sobre-humanamente, salvar alguém da perdição irremediável toca o divino, e aquele que chega a esse estado pode-se dizer pleno. A protagonista de “Corra, Lola, Corra” é uma figura cômoda em sua natureza diabólica e santa, levada a enfrentar uma maratona só porque não sabe desfazer-se do homem que, ela crê, entraria no mesmo turbilhão por ela. Tom Tykwer cerca sua anti-heroína de reflexões filosóficas que passam como um relâmpago no longo de 81 minutos, enquanto ela, conforme sugere o título, avança por Berlim movida por uma missão nobre. Mas ela parecia não saber que seu caminho seria tão tortuoso.

Manni, o namorado de Lola, liga para ela dizendo que a sacola com cem mil marcos alemães que deveria entregar a um gângster está agora com um mendigo. O dinheiro foi roubado no metrô, mas não haverá nenhuma desculpa que o livre da morte certa e bárbara, e por isso ele precisa recuperar a quantia. Manni cogita assaltar um banco, mas Lolapensa ser capazde conseguir reaver a bolada, ainda que disponha de apenas vinte minutos. Esseterço de horapreenchem a narrativa em trêsversões, contadas em detalhes únicos quemudamos cenários e o que acontece com as pessoas que compõem a história. O roteiro de Tykweraproveita as muitas possibilidades cinematográficas para desenvolver a premissa, transcendendoo eixo cartesiano de tempo e espaço e insinuando que é Lola quem define quanto dura cada fração de segundo, até que alcance seu objetivo. Em sendo assim, cada movimento de Lola dá azo a uma cadeia de transformações na trajetória de todos os que cruzam com ela, manifestação da teoria do caos que encarna com gosto.

Franka Potente é quem empresta a Lola essa aura apocalíptica. Ela corre, corre e corre, ofega, mas não se rende, balançando os cabelos vermelhos-sangue e exibindo a tatuagem. Num momento particular de desespero, ela bate à porta do pai rico interpretado por Herbert Knaup, só para escutar dele que ela não é a filha com que sonhara, apenas uma irresponsável que desperdiça seu investimento em comida e colégios caríssimos e prefere tornar-se uma marginal. Embora não reconheça, o namorado em sua parcela de culpa no abismo em que se joga e Moritz Bleibtreu pinça de Manni alguns elementos que fazem o espectador ter pena de Lola, mas admirar sua coragem e sua fibra moral. A fotografia de Frank Griebe imprime na tela vermelhos e amarelos gritantes, dando uma pista do encerramento ditoso. Passadas três décadas, “Corra, Lola, Corra” mantém o fôlego.

Filme: Corra, Lola, Corra
Diretor: Tom Tykwer
Ano: 1998
Gênero: Ação/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.