Quando cheguei ao Clube da Esquina, Lô Borges já me aguardava. Pela paisagem da janela, ele parecia curtir a chuva da montanha.
— Bom dia, Lô. Prazer te conhecer pessoalmente.
— Olá, como vai. Todo prazer.
De início, estranhei um pouco a conversa porque ele me respondia a tudo cantando.
— Que vergonha. Me perdoa pelo atraso. Detesto deixar alguém esperando, ainda mais você.
— Não foi nada.
— Fiquei preso no congestionamento. Tá impossível dirigir em BH.
— O caos da cidade.
— Você veio de carro ou o quê?
— O trem azul.
— Parece um meio de transporte especial, para seres humanos especiais.
— Eu sou como você é.
Estava tão nervoso que esbarrei na mesa, entornando o cafezinho dentro do pires. Uma porção de pães de queijo quentinhos, risonhos, assados na hora, se oferecia para mim.
— Putz! Sou mesmo um desastrado. Desculpe pelo mau jeito, Lô. Estou meio pilhado. Não é todo dia que se tem a sorte e o privilégio de conversar com um ícone da MPB. Estou me comportando como um tiete.
— Esqueça tudo.
— Obrigado pela generosidade. O jeitinho mineiro é reconfortante. Já me sinto mais calmo.
— Melhor assim. Faça seu jogo.
— Pediu alguma coisa para a garçonete?
— Pão e água. Cravo e canela. Açúcar sugar.
— Uau! Ela é realmente uma mulher muito bonita.
— Segundas mornas intenções? — ele brincou.
— Não. Claro que não. Nada de mais. Só achei a moça simpática. Percebeu que ela tem um girassol preso no avental?
— Um girassol da cor do seu cabelo.
— Exatamente. Eu me amarro em rostos femininos? Há tanta delicadeza neles.
— Quem sabe isso quer dizer amor — brincou.
— Cedo demais para se falar de amor, meu ídolo. Olha, só. Eu não conhecia essa birosca. Disseram-me que pertence a um tal Manuel, o audaz. Parece bem bacana. Essa decoração encantadora, em estilo retrô, remete à atmosfera dos anos 1960, não acha? Será que o audacioso Manuel concebeu esse layout para homenagear alguém em particular?
— Para Lennon e McCartney.
— Eita! Aí sim. Eu também adoro Beatles. É a minha banda predileta. Esses caras são atemporais. Acho que vou ouvi-los até o fim da minha vida.
— Muito além do fim. Até a terra balança.
— Aliás, vi uma entrevista do Samuel Rosa, do Skank, na qual ele comparava você a Paul McCartney. Espetacular, hein?
— Trem de doido — ele sorriu.
— Samuel Rosa é um cruzeirense declarado, assim como você. O que significa torcer pela Raposa?
— Presente. Tão bom. Amor real. Além do tempo.
— No meu caso em particular, eu não torço, eu sofro pelo Goiás Esporte Clube. A gente mais apanha do que bate. Você se importa se eu continuar usando o sobretudo? Tá frio à beça em BH para os padrões de um goiano do pé rachado como eu.
— Você fica melhor assim.
— Gentileza sua. Como se sente hoje em dia, passado tanto tempo desde o advento do Clube da Esquina?
— Solto no mundo. Nau sem rumo.
— Praticamente, todos os integrantes do Clube da Esquina se tornaram artistas relevantes, verdadeiras estrelas da MPB. Pode-se dizer que Milton Nascimento seja a maior delas?
— Constelação. A Via-Láctea.
— Bituca é o maior artista de Minas?
— Minas e Marte — ele sorriu e bebericou o café.
— Falando um pouquinho sobre política e comportamento. Existe uma onda ultraconservadora em evidência, uma ascensão da extrema direita, não apenas no Brasil, como no restante do mundo. Qual a sua avaliação sobre isso?
— Desvario. Universo paralelo. Tá tudo estranho demais.
— De fato. Estamos repetindo o passado. Parece mais um déjà vu.
— O mundo gira sobre si.
— Qual música Lô Borges escuta quando está de folga em casa?
— Canção postal. O som das estrelas. Canções de primavera.
— Defina o que é a vida, Salomão Borges Filho?
— Nenhum segredo. Caminho. Sonho real.
— E o que a música representa na sua vida?
— Um sonho na correnteza. Tudo que você podia ser.
— Deus existe?
— Por que não?
— Você tem medo da morte?
— Partimos. Antes do tempo.
— O que você vai dizer quando estiver cara a cara com Deus no paraíso?
— Invente-me outra vez.
Gargalhamos. Lô era absolutamente carismático.
— Penso que ele vai se sentir tentado com a hipótese da reinvenção. Gostaria de deixar uma mensagem final para os seus fãs?
— O tempo é esse. Chega pra ficar. Como o machado. No tom de sempre. Onde a gente está. Qualquer lugar. Na curva de um rio. Nos braços do pôr do sol. Vai, vai, vai. Viver, viver.
A garçonete bonita deixou a bandeja sobre o balcão, se aproximou e se sentou em nossa mesa, particularmente encantada. Lô Borges tinha respondido todas as perguntas daquela fantástica entrevista, usando exclusivamente os títulos das canções que compôs com parceiros ao longo da sua exitosa carreira como músico, cantor e compositor. Certamente, um dos maiores artistas da história da música brasileira em todos os tempos.
