8 indicações ao Oscar, milhões de lágrimas e aplausos: o clássico moderno de Bradley Cooper e Lady Gaga está na Netflix Divulgação / Warner Bros.

8 indicações ao Oscar, milhões de lágrimas e aplausos: o clássico moderno de Bradley Cooper e Lady Gaga está na Netflix

Jackson Maine circula entre arenas lotadas e quartos de hotel, mantendo na bebida e no hábito de ocultar dores o combustível para continuar em turnê. Astro do country-rock, lida com zumbidos constantes no ouvido e com o desgaste que reduz a precisão no palco. Em uma noite de folga, entra em um bar e observa Ally, jovem que alterna trabalho e composição, cantar diante de uma plateia curta. O encontro muda a cadência dos dois. A partir daí, “Nasce Uma Estrela” acompanha o início de uma parceria afetiva e musical que, desde o primeiro deslocamento juntos, equilibra descoberta e risco.

Dirigido por Bradley Cooper, que interpreta Jackson, e protagonizado também por Lady Gaga, o longa atualiza uma narrativa filmada anteriormente em 1937, 1954 e 1976. A nova versão situa os personagens em um presente de câmeras onipresentes e divulgação acelerada, em que um tropeço se dissemina com a mesma rapidez que um refrão bem colocado. A presença de Sam Elliott, como o irmão mais velho do cantor, adiciona história compartilhada e disputa silenciosa por rotas passadas e futuros possíveis. O filme mantém foco na intimidade: estúdios, bastidores, corredores que levam do camarim ao palco.

O enredo avança à medida que Ally ganha confiança para cantar composições próprias fora do circuito do bar. Quando Jackson a chama ao palco, a encenação privilegia o percurso: a câmera acompanha o deslocamento até o microfone, o som da plateia recua, e a entrada de “Shallow” fixa a mudança de patamar. O gesto de convidar e ceder espaço define a fase inicial da relação. A partir desse movimento, agentes e produtores passam a disputar a direção dos próximos passos. O corte de cabelo, o figurino e a mixagem das músicas passam a sinalizar outro caminho, mais pop, com refrões de apelo imediato.

Lady Gaga constrói uma Ally que hesita e negocia. A cada proposta de alteração de repertório, pesa a autoria e o sentido de cantar aquilo que escreveu. Os ensaios mostram repetições, correções de tom e testes de coreografia. Quando surgem programas de auditório e turnês maiores, a personagem precisa calibrar presença de palco sem diluir o conteúdo das letras. O filme registra esse processo com atenção ao rosto, aos intervalos entre uma frase e outra, ao olhar que busca apoio fora do quadro enquanto a base eletrônica sustenta a canção.

Cooper interpreta Jackson como alguém que recusa o papel de mártir, mas já não controla o próprio ritmo. O vício aparece nas pequenas interrupções: um atraso para subir, uma fala que perde nitidez, uma recaída que expõe a fragilidade pública. A fotografia alterna luz quente nos shows com tons amarelados de hotéis e estacionamentos, reduzindo saturação à medida que o personagem cede terreno às limitações físicas. O som trabalha em dois planos. De um lado, a potência dos shows; de outro, o zumbido que cresce até encobrir vozes, sinalizando a distância que se instala entre o músico e o mundo ao redor.

A dinâmica do casal combina parceria e disputa por espaço. Ele promove o talento dela e, ao mesmo tempo, teme desaparecer. Ela reconhece a importância dele e, em sequência, precisa testar os próprios limites sem pedir licença. Essa oscilação aparece em estúdio, quando Jackson observa a gravação por trás do vidro: a canção segue, os técnicos conversam, e o silêncio entre os dois indica um afastamento que não precisa de fala. A montagem preserva esses momentos sem ilustração excessiva, permitindo que uma reconfiguração do vínculo se imponha por gestos.

O filme não reduz a indústria musical a vilã, mas registra o impacto de suas rotinas. A entrada de dançarinos, a exigência de coreografias, a troca de arranjos e a edição de letras respondem a demandas comerciais. Em paralelo, Ally tenta reter o controle de escolhas que afetem a assinatura autoral. Quando aceita mudar, o faz calculando alcance e preservação de identidade. Quando recusa, assume o risco. Essa disputa dá medida concreta ao tema da visibilidade. Não se trata de moralizar; trata-se de mostrar como uma carreira em ascensão reorganiza prioridades, horários, relações e a própria escuta de quem compõe.

As canções funcionam como etapas narrativas. “Shallow” inaugura a dupla no grande público. “Always Remember Us This Way” fixa um momento de equilíbrio afetivo e profissional, em que o palco ainda serve como lugar de encontro. “I’ll Never Love Again” fecha o arco com registro de perda que se converte em memória. A direção escolhe filmar cada número como prolongamento de ação, sem cortes bruscos entre fala e canto. O público reage de maneira legível, ora sustentando notas, ora interrompendo com aplausos que se impõem sobre a banda. Essa presença coletiva redefine o humor das cenas.

Sam Elliott traz para Bobby, o irmão, a história de estrada que antecede o estrelato de Jackson. A relação entre os dois aparece em discussões curtas, às vezes mais pelo timbre do que pelo conteúdo explícito. Uma conversa no carro, uma visita rápida ao rancho, uma tentativa de acerto de contas bastam para expor dívidas antigas e solidariedade possível. Esses trechos ajudam a explicar escolhas recentes, incluindo a insistência do protagonista em manter uma rota que já não o favorece.

O desenho de produção situa com clareza os espaços: o bar pequeno do início, os palcos abertos de festival, os estúdios com cabines de vidro, quartos com guitarras apoiadas em cadeiras. A câmera opera na altura dos olhos e evita gruas grandiosas; prefere a proximidade que captura respiração, suor, tremor de mão. Essa decisão mantém o drama ancorado no corpo e na voz dos intérpretes, sem recorrer a atalhos sentimentais. Quando a narrativa pede silêncio, a trilha recua e o som ambiente assume a liderança, reforçando a sensação de suspensão antes de decisões difíceis.

O filme apresenta a continuidade possível: Ally segue à frente da própria história, sem apagar o rastro do que a trouxe até ali. O close fixo no rosto da cantora, após “I’ll Never Love Again”, encerra com a voz sustentada diante do microfone.

Filme: Nasce Uma Estrela
Diretor: Bradley Cooper
Ano: 2018
Gênero: Drama/Musical/Romance/Tragédia
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★