Uma gerente de hotel, obcecada por prazos e metas, recebe uma missão tentadora: negociar a expansão de um grupo hoteleiro em uma área de cultivo em Málaga, na Andaluzia. Ela leva a filha adolescente, imaginando que, entre reuniões e visitas técnicas, conseguirá recuperar um convívio adiado por meses. Em “Manga”, dirigido por Mehdi Avaz e estrelado por Josephine Park e Dar Salim, a viagem junta trabalho e afeto e põe em choque ambições corporativas e lealdades locais. A protagonista, Lærke (Park), desembarca com agenda cronometrada e uma proposta milionária; Alex (Salim), responsável pela plantação, recusa vender a propriedade por razões que a planilha não computa: luto, raízes e pertencimento.
O primeiro encontro entre os dois é um choque de velocidades. De um lado, e-mails, planilhas, telefonemas ininterruptos; do outro, o calendário das colheitas, a conversa sem hora marcada, a rotina que respeita calor, água e gente. Lærke tenta fechar negócio a qualquer custo e pede “só mais um pouco de paciência” à filha Agnes (Josephine Chavarría Højbjerg), que vê a viagem como chance de ser notada para além dos lembretes do celular. Alex expõe sua recusa sem agressividade: aquela área vale mais que a soma de hectares e cifras. A tensão dramática nasce daí, com o romance encostado em dilemas profissionais e familiares. O roteiro, de Milad Avaz, aproxima essas frentes sem pressa, apostando em decisões pequenas que acumulam efeito.
Mehdi Avaz evita caricaturas. Alex não é estereótipo de “homem da terra”, e Lærke não vira vilã de terno. O diretor prefere detalhes cotidianos: ela é competente, mas chega ao quarto ainda ligada na empresa; ele é acolhedor, mas guarda feridas que dificultam concessões. Conforme a negociação avança, o texto encontra humor nos tropeços do dia a dia: carros que atolam, reuniões que mudam de lugar por causa do sol, pratos que dão errado porque a pressa não combina com cozinha. O riso aparece de atritos plausíveis e expectativas moderadas; a empatia cresce no ritmo de escolhas possíveis.
Josephine Park compõe Lærke com energia que mascara cansaço e culpa. A personagem aprende a escutar sem perder firmeza, e a atriz sustenta microtransformações que fazem a história caminhar. Dar Salim interpreta Alex com sobriedade e calor; cada recuo soa como proteção, não como jogo. A química nasce do cuidado com as palavras e dos silêncios que a direção permite. Quando discutem, há posições claras em cada frase: cidade e campo, padronização e singularidade, pressa e rito.
Agnes adiciona relevo. A adolescente observa tudo, registra expectativas frustradas e encontra no lugar uma curiosidade nova, menos ligada a telas e mais a rotinas alheias. Em vez de funcionar como estorvo, a filha vira régua ética: com ela, Lærke mede promessas e consequências; perto dela, Alex revisita perdas e redefinições. Esse triângulo orienta a progressão emocional sem discursos. A cada gesto concreto — um almoço sem telefone, uma ida à irrigação, um pedido de desculpas que sai torto — as distâncias diminuem.
Visualmente, “Manga” abraça a claridade do litoral andaluz sem cair em cartão-postal. A fotografia se interessa por texturas de folha, por mangueiras que serpenteiam o solo, por cozinhas improvisadas que se abrem para pátios. O desenho de som privilegia vozes próximas e ambientes vivos — cigarras, passos, motores antigos que ligam e desligam conforme a hora. Há coerência entre promessas de lazer e o trabalho invisível que garante a doçura do fruto. Essa opção reforça o conflito central: transformar tudo em produto cobra preço, assim como sacrificar toda expansão em nome do passado.
O roteiro — escrito no círculo criativo da família Avaz — funciona melhor quando carrega menos. As viradas nascem de decisões práticas: um documento que atrasa, uma oferta pior do que parecia, um jantar em que se diz o que não se queria dizer. Quando a narrativa força coincidências para acelerar o romance, a direção recua e compensa com humor ou com a presença das personagens secundárias, entre elas figuras locais que não servem de adereço exótico, mas operam regras de vida: gente que sabe como a água chega, quanto custa e quem manda na hora de colher.
Ao contrário de histórias em que um “sim” resolve tudo, “Manga” prefere a negociação. O filme não despreza o desejo de crescimento de Lærke, tampouco idealiza a recusa de Alex; encontra valor no convite à responsabilidade e na necessidade de ajustar rotas. O equilíbrio aparece na forma como os diálogos tratam compromissos: promessas exigem calendário, e a vida cobrada por adolescentes costuma lembrar datas melhor que executivos. Como romance, o longa evita saltos artificiais e aposta na credibilidade dos encontros; como relato de trabalho, assume que planilhas não acomodam luto, e que memórias, às vezes, dizem “não” por bons motivos.
A presença dos coadjuvantes ajuda a desenhar o mapa social: funcionários que dependem da próxima safra, vizinhos que opinam sobre venda, investidores que veem naquela faixa de costa apenas uma oportunidade. A negociação, portanto, nunca é privada; cada avanço muda empregos, rotinas e expectativas. O filme se mantém atento a isso, sem discursos programáticos. Essa atenção às consequências mantém a história perto do chão e dá peso às escolhas do casal.
No balanço, “Manga” apresenta um encontro possível entre desejo e limite, sem prometer milagres. Quando o sistema de irrigação dispara no fim da tarde e a água percorre os sulcos, fica claro que os próximos passos dependerão de quem aceita voltar no dia seguinte.
★★★★★★★★★★

