Passamos boa parte da vida tentando entender a razão de certos desencontros, chegando ao extremo de pensar que a existência culpa-nos por atitudes que jamais tomamos. Cada um trata de resolver suas questões mais profundas como consegue, não sem alimentar uma ou outra ilusão de harmonia, consigo e com o vasto mundo que o rodeia, e então “Manga” passa a fazer sentido. Durante anos, Lærke acreditou que o sucesso na carreira era o único caminho para a felicidade. Foi então que uma temporada longe do escritório revelou-se a epifania de que tanto precisava, e ela afinal redescobre um sentimento poderoso. Inventivo, Mehdi Avaz subverte clichês, elaborando uma trama à primeira vista ligeira, mas que guarda alguma sofisticação retórica. Iraniano radicado na Dinamarca desde os dez anos, Avaz sempre dá um toque multicultural a seus filmes, e o roteiro de Karina Dam, Milad Schwartz Avaz e Renée Simonsen bate nessa tecla, apostando num romance tão insólito quanto magnético.
Gerente de uma rede de hotéis, Lærke é enviada a Málaga para tentar convencer o dono de uma fazenda a vender-lhe a propriedade. Sua vida parece um mar de rosas, como dá a entender a repentina viagem ao sul da Espanha, mas ela não sai de férias há três anos, está perigosamente afastada da filha, Agnes e, no fundo, ela sabe que seu trabalho não é mais tão prazeroso, também por causa da chefe, Joan. O diretor tira bom proveito desse primeiro conflito, mencionando ainda que a personagem central havia combinado passar algum tempo com Agnes, sem compromissos profissionais no horizonte. Assim mesmo, mãe e filha seguem de Copenhague para o calor andaluz, momento em que Josephine Park e Josephine Højbjerg estendem o arco que detalha o relacionamento das duas mulheres. Elas se estranham no avião, depois de um episódio à brasileira envolvendo uma mãe e uma criança mimada, mas a caminho da finca riem ao comentar o vigor sexual de uma moça que conhecem.
Logo que chegam à Espanha, Lærke vai direto para o terreno onde Alex mantém uma enorme plantação de, claro, mangas e um empório com mercadorias à base da fruta. Ela se senta, o anfitrião oferece-lhe um suco, que chama de mangonada, mas deixa claro que não está disposto a desfazer-se do negócio, e o papo azeda. Enquanto isso, Agnes perambula pela herdade e conhece Paula, a funcionária de Alex interpretada por Sara Jiménez, e tem mais sorte num possível namoro. Da mesma forma que se dá com Højbjerg, a química entre Park e Dar Salim é um das grandes qualidades do longa, e conduz a narrativa ao ponto almejado pelo diretor desde o início. Uma sequência de vaivéns garante que o público siga até o derradeiro dos 96 minutos, e não mostre-se nem um pouco surpreso com o final feliz.
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