Um ex-major do Exército dos Estados Unidos volta a investigar a própria corporação e se vê transformado em alvo. Em “Jack Reacher: Sem Retorno”, dirigido por Edward Zwick e estrelado por Tom Cruise, Cobie Smulders e Danika Yarosh, o conflito central parte de uma falsa acusação que expõe falhas na estrutura militar. O personagem-título, acostumado a operar sozinho, precisa provar inocência e proteger pessoas que sequer sabia estarem sob risco. A história transforma a autoconfiança do protagonista em obstáculo: a experiência que antes o salvava agora o prende a um padrão previsível, facilmente explorado por quem o conhece.
Jack Reacher, interpretado por Tom Cruise, inicia a trama em movimento constante, agindo à margem do Exército, mas mantendo contatos que o informam sobre operações internas. Após ajudar a prender um comandante corrupto, tenta retomar o anonimato. O plano muda quando descobre que uma oficial, a major Susan Turner, vivida por Cobie Smulders, foi presa sob acusação de espionagem. A ligação entre os dois começa por telefone e se sustenta por respeito profissional. Quando ela desaparece sob custódia, Reacher percebe que a acusação contra ela está ligada à sua própria atuação passada e decide investigar. A primeira virada ocorre quando o sistema que ele sempre usou como fonte passa a tratá-lo como criminoso.
Ao visitar o quartel para entender o caso, Reacher é detido e informado de que também responde por assassinato. A acusação, baseada em provas manipuladas, transforma o investigador em fugitivo. A fuga não apenas garante a sobrevivência imediata como muda o objetivo central: de inocentar Turner, ele passa a buscar a origem da conspiração. Turner escapa da prisão com sua ajuda, e ambos percorrem bases e arquivos militares em busca de nomes e datas. O roteiro se mantém atento às etapas: cada nova informação gera deslocamento, cada deslocamento cria novo risco.
Em meio à investigação, surge um segundo enredo que interfere no principal. Reacher descobre que o Exército registrou a existência de uma possível filha sua, Samantha, interpretada por Danika Yarosh. A informação altera o eixo dramático porque adiciona uma responsabilidade que o personagem não planejava assumir. A suspeita de paternidade afeta decisões práticas: cada refúgio precisa abrigar também uma adolescente, cada passo deve considerar alguém sem treinamento. Essa inclusão muda o tom do filme, que passa da lógica de caça militar para a de proteção familiar em cenário hostil. A consequência imediata é a perda de mobilidade, o que reduz a vantagem tática do protagonista.
A perseguição é conduzida por uma empresa contratada pelo governo, elemento recorrente em histórias que exploram a privatização de missões militares. O antagonista principal, conhecido apenas como O Caçador, representa o tipo de inimigo que opera com os mesmos códigos de Reacher, mas sem restrições éticas. Ele antecipa movimentos e usa a previsibilidade do herói como ferramenta. O confronto entre ambos evidencia semelhanças de treinamento e objetivo. É um duelo entre dois ex-soldados moldados pela mesma instituição, mas em lados opostos do lucro. Essa equivalência dá coerência ao conflito e sustenta o clímax, quando os três — Reacher, Turner e Samantha — precisam enfrentar o inimigo sem apoio oficial.
Edward Zwick conduz as cenas de ação com clareza geográfica, optando por planos que privilegiam deslocamento e consequência. Os cortes rápidos aparecem só quando há mudança de ponto de vista ou salto temporal, mantendo o ritmo prático e direto do protagonista. A fotografia aposta em tons neutros e luz de néon em áreas urbanas, recurso que marca a passagem do espaço institucional para o civil. O contraste visual reforça a sensação de que Reacher perdeu o controle do terreno que dominava, forçado agora a se mover em zonas que não obedecem a hierarquia militar.
Cobie Smulders dá à major Turner uma presença distinta das personagens femininas de ação comuns no gênero. Sua rigidez disciplinar cria atrito produtivo com o improviso de Reacher. A cada impasse, ela cobra planejamento e coordenação, enquanto ele prefere agir por instinto. Essa diferença de conduta define o ritmo das sequências em dupla. Quando os dois discutem rotas e cobertura, o diálogo não serve apenas de transição, mas revela como a confiança entre eles se constrói a partir de discordâncias e resultados visíveis. A progressão emocional é consequência da prática, não do discurso.
O roteiro reserva pausas que alteram o tempo dramático. Em uma lanchonete, Reacher observa Samantha enganar um vendedor para despistar rastreadores, e o gesto muda a relação entre os dois. Ele reconhece na garota o mesmo tipo de lógica direta que o caracteriza, e o vínculo se estabelece pela ação. Mais adiante, uma cena em um abrigo mostra Turner reorganizando armas e suprimentos enquanto Reacher observa em silêncio. A montagem paralela dessas tarefas reforça que cada um domina um campo: ela, a estratégia; ele, a execução. O equilíbrio entre ambos se completa quando as habilidades convergem no confronto final.
O clímax ocorre em ambiente aberto, onde Reacher precisa decidir entre eliminar o inimigo e proteger a jovem. O risco é concreto, o tempo é curto e a consequência imediata é física. O filme evita detalhar o resultado, concentrando a tensão na escolha e no custo. A coerência entre o conflito inicial e o desfecho parcial confirma o eixo da narrativa: a independência absoluta que o protagonista defendia cobra preço alto quando envolve outros.
“Jack Reacher: Sem Retorno” mantém o foco em decisões práticas e consequências verificáveis. O enredo se apoia em lógica de ação clássica, mas insere no centro um dilema moral sobre responsabilidade. Cada pista coletada produz movimento, cada movimento redefine a hierarquia entre os personagens. Quando o som das comunicações militares se mistura ao trânsito das ruas, o filme mostra que a fronteira entre dever e sobrevivência já se dissolveu. E a estrada que antes garantia liberdade passa a marcar a distância entre o que ele defendeu e o que ainda tenta proteger.
★★★★★★★★★★


