O filme brasileiro da Netflix que devolve a fé na ternura Divulgação / Netflix

O filme brasileiro da Netflix que devolve a fé na ternura

Há algo de profundamente político em um filme que se atreve a ser doce em tempos cínicos. “Caramelo”, à primeira vista, poderia ser apenas mais uma história sobre a amizade entre um homem e seu cachorro, uma fórmula que Hollywood gastou até a última lágrima digitalizada. Mas este filme brasileiro escapa desse automatismo porque não vende emoção: ele a vive. E o faz com uma naturalidade que lembra que o afeto, quando não é roteiro, é revolução silenciosa.

O protagonista, um homem comum em um país que trata a sobrevivência como heroísmo, encontra em um vira-lata o que talvez seja o último elo de confiança possível: o olhar sem cálculo, a companhia sem interesse. “Caramelo”, o cão, não é apenas personagem, é um contraponto moral, um espelho das nossas carências e, ao mesmo tempo, uma forma de cura. O filme entende o amor como gesto ético, não como espetáculo. E é justamente por essa simplicidade que ele se torna tão devastador.

Há um contraste bonito entre o desamparo humano e a serenidade animal. O roteiro se permite pausas, aquelas que o cinema industrial odeia, e nelas o silêncio diz o que o mundo anda esquecendo: que a vida não precisa de tradução simultânea, apenas de presença. Quando o personagem encontra no cachorro uma razão para continuar, o que se vê não é redenção, mas resistência. Porque, no Brasil, continuar é resistir.

A direção evita truques sentimentais e aposta em algo quase subversivo: a honestidade. A câmera se aproxima com pudor, sem manipular o espectador, e transforma o cotidiano em matéria de poesia. Carolina Ferraz, discreta e precisa, oferece um equilíbrio raro, ela não atua para ser vista, mas para sustentar o outro. E o elenco, em conjunto, revela o que o cinema nacional tem de melhor quando ousa ser sincero: humanidade sem verniz.

“Caramelo” desmonta o mito de que só o extraordinário é digno de atenção. O que o filme celebra é o banal, o afeto como forma de sobrevivência, a ternura como linguagem de um país esgotado de tragédias. É curioso como um enredo tão singelo pode ser tão politicamente contundente. Numa cultura que lucra com a dor, ver a bondade ganhar centralidade é quase um ato de insubordinação estética.

O cachorro, híbrido de raças, corpo mestiço e alma livre, é também uma metáfora do próprio Brasil, feito de sobras, remendos e milagres. Ao contrário das produções estrangeiras que humanizam animais por meio de efeitos digitais, aqui a humanidade está toda no olhar. É ele que segura o filme inteiro: o olhar que compreende sem linguagem, que consola sem promessa.

“Caramelo” não quer te fazer chorar. Quer te fazer lembrar. Lembrar que a empatia ainda existe, que o amor pode ser simples e que, às vezes, a cura não está no que se busca, mas no que se encontra por acaso. O filme termina como quem sussurra um lembrete urgente: talvez o verdadeiro antídoto para o desespero moderno seja permitir-se um pouco de ternura.

Filme: Caramelo
Diretor: Diego Freitas
Ano: 2025
Gênero: Comédia/Drama
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★