Há filmes que tentam engarrafar perguntas universais para vendê-las com pipoca. “Além da Morte” parte dessa ambição perigosa: decifrar o depois, esse território que nenhuma religião realmente conseguiu monopolizar, embora todas as marcas tentem licenciar. Cinco jovens médicos, orgulhosos de sua inteligência treinada em laboratório, decidem brincar com o limite que a biologia ainda insiste em chamar de vida. Não porque sejam visionários, mas porque a soberba é um ótimo combustível para aventuras ruins e, ocasionalmente, para o cinema.
Courtney, vivida por Elliot Page com um misto de culpa e obstinação quase sedutora, busca uma resposta para o trauma que carrega no peito desde o acidente que destruiu a vida que conhecia. Seu método? Interromper o coração, literalmente, e registrar o que acontece quando o cérebro entra naquele intervalo onde o tempo talvez não exista. Há poesia nessa insanidade científica, mesmo que o roteiro não saiba exatamente o que fazer com ela.
Após a primeira morte controlada, a vertigem se torna contagiosa. Os colegas, competitivos, inseguros, famintos por algo que valide suas existências, se jogam no experimento como quem mergulha sem saber se a água está funda. As sequências das “viagens” ao além têm um brilho estético interessante, quase sedutor: luzes, texturas e memórias reorganizadas como se o subconsciente tivesse contratado um bom cenógrafo. É bonito. E o cinema, às vezes, se contenta com isso: beleza que não responde, apenas distrai.
O problema é que voltar vivo cobra seu preço. Pequenas culpas, erros escondidos, irresponsabilidades que essas mentes brilhantes empurraram para debaixo do tapete voltam a cobrar explicações de modo bem menos metafórico do que seria elegante. A ideia é forte: o passado que se recusa a morrer mesmo quando o coração para. Pena que, ao transformar traumas em sustos episódicos, o filme perde a profundidade psicológica que prometia. Tudo se resolve rápido demais para quem ousou tocar o infinito.
Kiefer Sutherland surge como um fantasma da versão original, não apenas no elenco, mas como lembrete de que “Além da Morte” já foi ousado um dia. Aqui, ele aparece pouco, quase um cameo acadêmico: uma presença que evoca mais nostalgia do que impacto. Diego Luna entrega dignidade ao caos; Nina Dobrev faz o possível com uma personagem escrita com preguiça; Kiersey Clemons merecia mais que a função de coadjuvante da própria angústia. São atores talentosos, mas o filme não lhes dá biografias, apenas sintomas.
O que realmente intriga é esse flerte permanente com reflexões grandes demais para um roteiro tão tímido. E se o conhecimento supremo estiver do outro lado? Por que o gênio humano insiste em confundir adrenalina com transcendência? “Além da Morte” aponta para perguntas que poderiam incendiar discussões sobre ética, espiritualidade, culpa e ambição. Em vez disso, prefere correr por corredores escuros, como se o medo fosse a única linguagem possível para falar sobre o desconhecido.
Mesmo assim, seria injusto negar que existe entretenimento honesto aqui. Há tensão, há momentos que fazem o coração acelerar, ironia que o filme certamente apreciaria. E há uma fagulha de sensibilidade nas tentativas dos personagens de se responsabilizar pelos monstros que criaram. Não é profunda como prometia, mas não mente: quem passa a vida fugindo do que fez, eventualmente será alcançado.
“Além da Morte” não desbrava o além. Apenas toca sua porta e sai correndo. Deixa a sensação de que poderia ter ido mais longe, talvez porque, para enfrentar o que nos assombra, não basta desligar o corpo; é preciso coragem para permanecer consciente quando o terror não é sobrenatural, mas humano demais.
E esse é o tipo de susto que nenhum desfibrilador resolve.
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