Lindo, sensível e poderoso: o filme brasileiro mais bonito de 2025 acaba de chegar à Netflix Divulgação / Telefilmes

Lindo, sensível e poderoso: o filme brasileiro mais bonito de 2025 acaba de chegar à Netflix

Uma mãe empenhada em proteger os filhos da violência doméstica carrega em si uma força poderosa. Depois de perceber que não tem mais nada, nem um teto sobre a cabeça ou dinheiro guardado para um imprevisto, ela rompe marcha pela cidade interminável, sabendo que tem a si mesma. Isto é só o começo em “A Melhor Mãe do Mundo”, uma história como milhares de outras pelo Brasil, contada num misto de lamento e poesia. Despretensiosa, Anna Muylaert joga luz sobre uma das tantas questões sociais varridas para debaixo do tapete nas famílias e nas diversas instâncias de poder da nossa República, quase uma anedota que, pateticamente, teima em se repetir. Muylaert é uma obcecada por denunciar as mazelas de um país que mais tropeça que caminha e, creiam-me, o faz com leveza. É o que assiste em sua já vasta filmografia, com destaque para o aclamado “Que Horas Ela Volta?” (2015), “Mãe Só Há Uma” (2016) e “O Clube das Mulheres de Negócios” (2022), de onde saiu a heroína da vez.

Na aflitiva introdução, Maria das Graças aparece diante da funcionária de um órgão público. Ela quer prestar queixa contra o companheiro, Leandro, mas só o que consegue é balbuciar as palavras que a outra mulher lhe diz, talvez adivinhando que, ao fim de todo o processo, reste apenas o constrangimento e a vergonha de ter de implorar pela piedade de quem a espanca. Bem como Val, a trabalhadora do lar “praticamente” da família interpretada por Regina Casé no filme de 2015, Gal não tem sobrenome ou patrimônio, mas sente que deve a si mesma uma satisfação. Aberto o boletim de ocorrência, ela corre para a casa onde mora de favor, obriga os filhos, Rihanna e Benin, a fazerem as malas, e os três saem pela Pauliceia Desvairada no burro-sem-rabo que Gal usa para catar materiais recicláveis. Ela puxa a carroça. 

Se o espectador suporta o mal-estar, chega a um segundo ato em que a diretora é hábil em descrever a realidade paralela de Gal, Rihanna e Benin. Para vencer as horas, ela leva os filhos ao parque de diversões, onde andam numa montanha-russa precária, atiram ao alvo, comem pipoca e dividem um refrigerante. Quando a noite avança, o trio vai para o canteiro às margens de uma rua, e Rihanna, a mais velha diz que não quer dormir ao relento. A Mãe Coragem responde que eles estão  acampando, e o problema está resolvido — pelo menos até o próximo impasse, a exemplo do calor e da falta de banho. Quando o dia raia, ela telefona para Valdete, a prima de Itaquera, mas guarda o telefone de Munda, a sem-teto que conhece sob uma marquise encarnada por Rejane Faria. E esse número ser-lhe-á de muita utilidade.

Muylaert vai brincando com as expectativas da audiência, que a essa altura já está rendida a Gal, Rihanna e Benin, torcendo por eles, engolindo em seco suas aperturas. Indubitavelmente, Shirley Cruz é o sal do filme; a atriz vai do melodrama ao quase trágico, dosando-os com os toques cômicos que em tempo algum deixam de frisar o desespero da protagonista. Na sequência mais incômoda, durante um churrasco na casa de Valdete, Leandro reaparece, e só aí é que damo-nos conta do quão suscetível Gal está. Cruz e Seu Jorge levam o conflito central de “A Melhor Mãe do Mundo” a novas abordagens, em que cabe alcoolismo, abuso verbal e estupro de vulnerável, num lance em que Rihanna Barbosa rouba a cena. O tormento da mulher preta, pobre e favelada não tem limite. Gal pode-se considerar uma felizarda por sobreviver.

Filme: A Melhor Mãe do Mundo
Diretor: Anna Muylaert
Ano: 2025
Gênero: Aventura/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.