Modernização de clássico de Dostoiévski: o filme sombrio e fascinante que está na Netflix Divulgação / Paramount Pictures

Modernização de clássico de Dostoiévski: o filme sombrio e fascinante que está na Netflix

Há algo de profundamente erótico na autodestruição, e “O Apostador”, de Rupert Wyatt, entende isso com precisão quase clínica. Jim Bennett, vivido por Mark Wahlberg, é professor de literatura, jogador compulsivo e um homem que parece existir apenas nos extremos, entre o desdém e o desespero. É desses personagens que transformam o fracasso em performance estética. Sua ruína não é acidente, é vocação. Cada aposta, cada dívida, cada mergulho na lama moral soa como uma tentativa desesperada de sentir alguma coisa, qualquer coisa, que o mundo estéril da academia já não oferece.

Wyatt dirige o filme como quem joga roleta russa com o próprio roteiro: ora elegante, ora desajeitado, mas sempre em tensão com o abismo. O resultado é um híbrido curioso entre tragédia grega e thriller existencial, embalado por um cinismo americano que mascara o vazio com notas de jazz. Wahlberg, magro e exaurido, apaga o ator musculoso e surge como um corpo em decomposição emocional. Ele fala sobre Camus para os alunos e aposta a própria vida à noite, como se a teoria do absurdo precisasse ser provada na prática. Há um magnetismo perverso em sua serenidade diante do colapso.

O filme flerta com o niilismo, mas o faz com charme. Jim é o tipo de homem que não acredita em redenção, apenas em gestos grandiosos. Ele não joga para ganhar, joga para perder, mas perder de um modo que pareça poesia. O cassino, nesse contexto, é menos um vício do que um altar: o lugar onde a lógica se dissolve e o risco assume o papel de divindade. Wyatt filma as luzes, o barulho das fichas e o olhar dos agiotas como se fossem rituais modernos de sacrifício. O que se aposta ali não é dinheiro, é a ilusão de controle sobre o caos.

Jessica Lange, como a mãe milionária e amarga, representa o peso da origem, o conforto que sufoca. Brie Larson, na pele da aluna que o observa com fascínio, é o contraponto da esperança, ou da ilusão de que a lucidez possa ser salva pelo afeto. Mas “O Apostador” não acredita em salvação. A narrativa avança com frieza e estilo, recusando a catarse moral. No fundo, é um filme sobre o prazer de rasgar o próprio roteiro de vida, e sorrir enquanto tudo arde.

Há ecos de Dostoiévski e de Paul Schrader, mas Wyatt não busca transcendência: busca uma estética da queda. O tom é mais seco, quase ensaístico, e talvez por isso o filme tenha sido subestimado. Em tempos de heróis arrependidos e redenções fáceis, “O Apostador” soa como uma confissão indecente, a de que há beleza no fracasso consciente. Wahlberg, em um de seus melhores papéis, transforma a culpa em performance e a aposta em filosofia. Jim corre, sangra e respira como quem renasce, mas o filme não nos dá a satisfação da vitória. Apenas o silêncio do pós-jogo, esse instante em que o mundo volta a ser um vazio e o vício, um sentido. “O Apostador” é sobre isso: o prazer obsceno de flertar com o nada e chamá-lo de liberdade.

Filme: O Apostador
Diretor: Rupert Wyatt
Ano: 2014
Gênero: Crime/Drama/Suspense
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Fernando Machado

Fernando Machado é jornalista e cinéfilo, com atuação voltada para conteúdo otimizado, Google Discover, SEO técnico e performance editorial. Na Cantuária Sites, integra a frente de projetos que cruzam linguagem de alta qualidade com alcance orgânico real.