Um soco psicológico na Netflix com Samuel L. Jackson e Matthew McConaughey — ninguém sai inteiro Divulgação / Warner Bros.

Um soco psicológico na Netflix com Samuel L. Jackson e Matthew McConaughey — ninguém sai inteiro

A disputa central opõe a promessa de igualdade perante a lei ao impulso de punir rápido, custe o que custar. Em “Tempo de Matar”, dirigido por Joel Schumacher e estrelado por Matthew McConaughey, Sandra Bullock, Samuel L. Jackson e Kevin Spacey, o julgamento transborda para as ruas e coloca instituições em teste. Adaptado do romance “Tempo de Matar”, de John Grisham, o filme acompanha uma cidade que mede a própria justiça diante de uma ferida aberta.

O ponto de partida é o ataque brutal a uma menina negra em uma região marcada por hierarquias raciais. O pai, Carl Lee Hailey, interpretado por Samuel L. Jackson, reage de modo extremo e desloca o foco do noticiário. A partir desse gesto, o objetivo do advogado Jake Brigance, vivido por Matthew McConaughey, fica definido: evitar a condenação máxima de seu cliente em um tribunal que respira pressão política. Atua no caso o promotor do condado, Rufus Buckley, papel de Kevin Spacey, que vê ali oportunidade de ascensão e tenta acelerar o cronograma, recusa acordos e busca controlar o terreno por meio de petições estratégicas.

Cada avanço do processo altera o mapa de forças. Quando Jake assume a defesa sem ceder a propostas de troca de advogado sugeridas por entidades preocupadas com a repercussão, ele amarra o destino profissional à sorte do réu. Essa escolha encurta o tempo dramático, porque passa a existir linha direta entre as ameaças nas ruas e a capacidade do defensor de preparar a estratégia. A estudante de direito Ellen Roark, interpretada por Sandra Bullock, entra com pesquisa e estudo do júri. Sua presença amplia a informação disponível à defesa, abre caminhos para contestar a competência do foro e propõe jurados menos suscetíveis a palavras de ordem. Ao mesmo tempo, a atuação de células da Ku Klux Klan sobe de tom, e o grupo passa de intimidação difusa a ataques coordenados com impacto material imediato.

A cidade torna-se extensão do tribunal. Confrontos de rua influenciam a seleção do júri e viram peças de retórica no próprio processo. Quando a violência atinge a casa do advogado, a defesa perde arquivos, tempo e segurança, o que obriga Jake a redefinir prioridades. Em vez de buscar novas perícias, ele se concentra em blindar testemunhas-chave e em manter a confiança de Carl Lee, que passa a duvidar da eficácia da lei diante do cerco. Essa desconfiança produz uma virada íntima: o cliente considera soluções fora do processo, e o advogado precisa trazê-lo de volta ao caminho jurídico para preservar a chance de absolvição. O efeito prático é dobrar a pressão sobre a argumentação final, porque qualquer desvio pode invalidar ganhos processuais obtidos a duras penas.

O promotor entende a janela de oportunidade e tenta acelerar etapas. Ele provoca o juiz para restringir linhas de defesa, contesta a inclusão de elementos sobre estado emocional do réu e busca impedir menções a antecedentes dos agressores. Cada vitória da acusação reduz o campo de manobra de Jake e eleva a importância de depoimentos que humanizam a vítima e o pai. O juiz Omar Noose mantém as regras sob controle formal, mas negativas a pedidos de mudança de foro e de anulação de júri indicam leitura política da cidade. O resultado é um tabuleiro no qual detalhes de procedimento valem tanto quanto testemunhas, e qualquer atraso muda a percepção do júri sobre quem conduz a história.

A montagem acelera quando eventos externos invadem a rotina do processo. Marchas, plantões de imprensa e atos noturnos criam alternância entre dia jurídico e noite de hostilidade. Esse desenho temporal cumpre função clara: reduzir o descanso da defesa e multiplicar fontes de erro. Ellen Roark compensa a desvantagem com preparação meticulosa, levanta precedentes e sugere um caminho baseado na empatia do júri diante do sofrimento do pai. Jake hesita, porque sabe que transformar dor em argumento pode se voltar contra o réu se soar como manipulação. A hesitação é quebrada por um atentado direcionado que, além de ferir aliados, prova que o processo perdeu qualquer aparência de neutralidade pública. A partir daí, a defesa decide apostar na força de uma narrativa única e coerente para atravessar a última etapa.

As audiências decisivas revelam como pequenas escolhas mudam o rumo. Ao questionar agentes locais, a defesa expõe falhas de proteção que antecederam a reação de Carl Lee. Ao ouvir o médico que atendeu a menina, a acusação tenta limitar o debate a laudos e prazos, enquanto a defesa conecta esses dados à experiência concreta da família. O sheriff Ozzie Walls, autoridade respeitada na região, passa ao centro do tabuleiro, pois seu depoimento sobre a segurança do prédio do tribunal afeta a leitura do ato que levou o pai à prisão. Cada resposta desloca o sentido de culpa e necessidade de punição. O promotor percebe o risco e convoca figuras com reputação rígida para recuperar terreno, investindo em uma tese de ordem pública abalada.

O ponto máximo ocorre no encerramento dos argumentos, quando Jake precisa decidir que história conta ao júri e com quais imagens conduz a imaginação coletiva. Essa escolha concentra todos os dilemas anteriores: seguir a letra fria da lei ou pedir que os jurados considerem o fato sob uma lente que recusa hierarquias raciais. O risco é alto. Se a opção soar como quebra de protocolo, a defesa perde credibilidade. Se funcionar, pode reequilibrar um júri exposto a semanas de intimidação e manchetes. A consequência imediata é um silêncio denso no tribunal e a percepção de que, dali em diante, cada jurado assume um peso que ultrapassa o caso individual.

Há efeitos laterais que reforçam esse momento. A vida doméstica de Jake foi arruinada, o escritório virou escombros e aliados foram feridos. Essas perdas não entram como lamento, mas como fatos que encurtam sua margem de erro. Carl Lee observa com postura contida, e a relação com o advogado passa do contrato à confiança medida pelo risco compartilhado. Ellen sustenta o trabalho de base e garante que a mensagem da defesa alcance o júri sem distrações. Do lado de fora, grupos radicalizados preparam desfechos próprios, o que coloca autoridades locais em alerta e adiciona uma camada de tensão à espera do veredito.

“Tempo de Matar” transforma o tribunal em arena onde política, mídia e rua disputam o sentido de justiça. Joel Schumacher posiciona a câmera para informar, ora aproximando rostos para pesar decisões, ora abrindo o quadro para mostrar quem controla o ambiente. Trilha e montagem aceleram apenas quando fatos externos interferem no andamento do processo, o que ajusta a percepção do tempo sem exagero. A narrativa se sustenta na cadeia de escolhas e perdas, e o resultado do júri depende menos de uma surpresa e mais da coerência entre dor, lei e responsabilidade. A sala permanece cercada por barricadas e carros de polícia.

Filme: Tempo de Matar
Diretor: Joel Schumacher
Ano: 1996
Gênero: Crime/Drama/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★