Adaptado do romance homônimo de Thomas Harris, “O Silêncio dos Inocentes”, marcado pela atuação diabólica de Anthony Hopkins, quase tomou outro rumo. Gene Hackman detinha os direitos autorais e chegou a cogitar dirigir e protagonizar o filme. Depois de alguns impasses, Jonathan Demme foi definido para seguir na batuta, enquanto Hopkins foi o nome escolhido para interpretar Hannibal Lecter.
Duas características centrais do filme são a atuação de Hopkins e o close-up fechado no rosto dos personagens na maioria das cenas. Mas nada disso foi impensado. A atuação de Hopkins foi inspirada em “2001: Uma Odisseia no Espaço”. A fala pausada e robótica, pronunciada de forma quase hipnótica, foi baseada na maneira de HAL 9000, o computador do filme de Stanley Kubrick, falar. Ao todo, Hopkins apareceu em 16 minutos de tela apenas. Apesar disso, ele levou o Oscar de melhor ator e essa é uma das atuações mais impactantes do cinema de todos os tempos. Há quem diga que o próprio elenco sentia medo dele.
Além do desconforto que os demais atores e atrizes sentiam perto de Hopkins enquanto ele encarnava Lecter, Demme utilizou outra artimanha para deixar o elenco ansioso e visivelmente incomodado durante as filmagens: o close-up. A lente ficava bem em cima dos rostos, que precisavam declamar suas falas olhando para a câmera. Isso deixava todos claramente constrangidos. A tática servia exatamente para isso. Demme queria passar essa sensação para o público.
Tak Fujimoto, responsável pela fotografia, optou por uma estética realista, com uma paleta fria que remetesse à aparência de hospitais e necrotérios, provocando certo pavor e claustrofobia. Os close-ups já mencionados foram um convite para que os espectadores lessem as microexpressões dos personagens. Enquanto isso, a música de Howard Shore foi administrada de forma contida e pontual, nunca exagerando, mas sempre intensificando, na medida certa, o suspense.
Se você ainda não conhece o enredo, vou explicar de forma breve. Clarice (interpretada por Jodie Foster) é uma investigadora novata e de boa aparência, constantemente assediada por homens no ambiente predominantemente masculino em que trabalha. Filha de policial e com histórico de trauma, o foco em se tornar uma boa investigadora é primordial, mas o fato de ser mulher faz com que ela precise realmente se provar competente no meio em que atua. Quando o serial killer Buffalo Bill (Ted Levine) sequestra a filha de uma política importante, essa é a oportunidade de Clarice crescer profissionalmente. Mas, para ter sucesso, ela precisa buscar aliança no mais perigoso assassino em série do país, Hannibal Lecter.
Com um orçamento de 20 milhões de dólares, o longa-metragem conseguiu chegar à casa dos 270 milhões de dólares em bilheterias. Mais que 13 vezes o próprio custo. Além de sucesso nos cinemas, o filme também foi sucesso de crítica e levou nada menos que cinco estatuetas do Oscar, lembrando que a Academia não costuma premiar suspenses ou terror. Um feito enorme. Apesar disso, o filme não ficou isento de críticas. O vilão, Buffalo Bill, é lido como homossexual e isso provocou intensos debates sobre a patologização e estigmatização de identidades de gênero.
Uma das questões mais interessantes do filme, que consegue ser intensificada pela atuação brilhante de Hopkins, é o estudo de poder e intimidação. A forma como Lecter usa sua inteligência (ele é psiquiatra renomado) para manipular os demais personagens, inclusive a polícia, é genial. Hopkins, embora interprete um assassino canibal, nunca é odiado pelo público, porque há um charme, carisma, uma astúcia e uma elegância no modo em que se comporta que quebram a monstruosidade de seu lado criminoso.
A borboleta do pôster do filme, e que remete a uma lembrança deixada por Buffalo Bill em uma de suas vítimas, é um retrato tirado por Salvador Dalí que guarda uma mensagem subliminar. Além de simbolizar a objetificação do corpo feminino, Demme também quis usar a foto como uma analogia de que nem tudo que é belo é o que parece, além de evocar o inconsciente. Mais de 30 anos após o lançamento, “O Silêncio dos Inocentes” segue sendo extremamente relevante. Um dos suspenses mais brilhantes e perturbadores do cinema.
★★★★★★★★★★


