5 filmes franceses na Netflix que você realmente deveria assistir Christophe Brachet / Netflix

5 filmes franceses na Netflix que você realmente deveria assistir

O panorama do cinema francês de hoje reflete uma inquietude marcada por contradições, resistências e uma profunda análise de valores. Às vezes longe do glamour e da nostalgia da Nouvelle Vague ou do cinema de autor, introspectivo, as novíssimas produções da indústria cinematográfica da França tentam dialogar com um país acossado, numa perene crise identitária, espremido entre a valiosa herança de sua Revolução e urgências sociais inescapáveis neste insano século 21. Recorrentemente, as trapalhadas da polícia viraram tema de sátiras e dramas, colocando a nu a fragilidade das instituições e a distância entre o Estado e as pessoas. Filmes como “Ad Vitam” (2025), dirigido por Rodolphe Lauga, e “Bastion 36” (2025), levado à tela por Olivier Marchal derrubam tabus ao expor autoridades corruptas, despreparadas e truculentas, sintoma de uma degenerescência cívica espraiada por todas as lajes da pirâmide.

Junto a essa fecunda capacidade do cinema francês de criticar a tudo e a todos, as mulheres representam a consolidação de uma força exegética e estilística. Diretoras como Houda Benyamina e Céline Sciamma fizeram de seus trabalhos instrumentos de uma meditação poderosa sobre o corpo, a linguagem e o direito à liberdade. O tal empoderamento feminino não é mera palavra de ordem, mas uma prática: existe uma câmera a acompanhar as mocinhas e as candidatas a vilã em seus dilemas, prosaicos ou nem tanto, suas cotidianas guerras por autonomia e sua sobrevivência numa época em que, a despeito do inegável progresso, ainda são silenciadas. Em “Retrato de uma Jovem em Chamas” (2019), Sciamma encara os dédalos da libido feminina como uma necessidade de autoafirmar-se, dinamitando as fronteiras entre o privado e a atuação política, o individual e o coletivo. Benyamina, por sua vez, ilumina as diversas faces da vulnerabilidade social recorrendo a personagens que enxergam seu infortúnio de maneiras diametralmente opostas, o que faz de “Divinas” (2018) um enredo muito superior à média, que mereceu ter ganhado o prêmio de Melhor Filme de Diretor Estreante em Cannes. Sem favor nenhum.

A juventude sem emprego e sem horizonte; imigrantes; mães solo; e os trabalhadores precarizados e sem direitos encabeçam histórias que misturam dureza e sensibilidade, dor e esperança. O novíssimo cinema francês é, portanto, uma representação fiel desta quadra que atravessa a humanidade, corroborando seu pendor para a ruptura imprescindível. Além de “Ad Vitam”, “Bastion 36” e “Divinas”, figuram nesta seleção outros dois títulos que deixam claro que os cineastas do maior país da União Europeia não estão para brincadeira. Os cinco filmes, todos no catálogo da Netflix, incutem no espectador perguntas que clamam por respostas, sem abrir mão do refinamento e da graça. Essa onda de agora é inventiva, despretensiosa e forte como a outra.

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.