Estreou esta semana na Netflix: o suspense que vai fazer você desconfiar até do Wi-Fi Divulgação / Sony Pictures

Estreou esta semana na Netflix: o suspense que vai fazer você desconfiar até do Wi-Fi

Uma filha recorre à internet para procurar a mãe que some durante uma viagem internacional, e cada pista digital amplia ou corrige o mapa emocional dessa família. Em “Desaparecida”, Storm Reid, Nia Long, Ken Leung, Joaquim de Almeida, Daniel Henney, Amy Landecker e Megan Suri protagonizam uma história dirigida por Will Merrick e Nicholas D. Johnson que usa a rotina online como campo de investigação. O conflito central é simples e direto: a filha precisa localizar a mãe em poucos dias, com fronteiras e versões em disputa, e a única ferramenta ao alcance imediato são as telas do computador e do celular.

A narrativa começa quando a mãe, Grace Allen, viaja para a Colômbia com o novo namorado, Kevin. A filha, June Allen, fica em Los Angeles. O primeiro objetivo é trivial, confirmar a chegada do casal no destino. O atraso no retorno transforma a checagem em ocorrência. O relógio muda de função, de calendário para contagem. A ausência de respostas de Grace e Kevin cria o primeiro obstáculo: a comunicação internacional depende de terceiros e de horários de atendimento. O roteiro faz June buscar a polícia, a embaixada e os canais oficiais. A burocracia define prazos e limita o alcance das buscas. Essa restrição empurra a protagonista a abrir o notebook e testar por conta própria o que consegue cruzar de dados.

O passo seguinte é tático: porque a burocracia impõe prazos e respostas lentas, June acessa contas, recupera senhas, lê e-mails, rastreia dispositivos, consulta câmeras públicas e extrai metadados de fotos; cada resultado redefine o objetivo, que passa de localizar para comprovar com hora e trajeto. Em vez de saber apenas onde a mãe esteve, ela precisa provar que esteve. Surge então um segundo obstáculo, a incerteza sobre quem é confiável. Kevin aparece nos registros, mas o histórico dele não fecha. Uma reserva paga, um nome alternativo, um perfil raso. A dúvida contamina as próximas ações. Se Kevin mente, as pistas vistas até aqui podem ter sido plantadas. A consequência direta é a necessidade de confirmar tudo com outra fonte.

Para reduzir a distância física, June contrata um ajudante na Colômbia, Javi, interpretado por Joaquim de Almeida. Ele vira os olhos e as mãos no terreno, conferindo recibos, checando câmeras de rua e falando com funcionários. A presença de Javi muda o ritmo da investigação. Quando ele encontra uma informação que contradiz um comprovante anterior, June precisa refazer a linha do tempo e revisar a ordem dos eventos. A causalidade fica clara. Uma foto leva a um local, o local produz um nome, o nome abre uma pista antiga. O enredo evita desvios. Sempre que aparece uma peça nova, ela mexe no objetivo, no risco ou no prazo.

A partir desse ponto, o filme apresenta a primeira grande virada. June identifica que certos dados sobre a própria família estavam incompletos. Um contato do passado, Heather, vivida por Amy Landecker, devolve perguntas em vez de respostas. A menina percebe que não procura só uma pessoa, procura a verdade sobre o vínculo entre mãe e filha e sobre o que ficou fora das conversas em casa. Essa virada não depende de um acaso. Ela nasce do esforço da protagonista em abrir arquivos e combinar fontes, e as consequências se espalham. Um registro legal muda a leitura de uma lembrança. Uma ligação gravada expõe uma versão divergente. O objetivo, antes limitado a achar o paradeiro, passa a incluir entender por que a viagem aconteceu.

O risco aumenta quando June pressiona os sistemas até o limite. Ao rastrear mensagens em múltiplas contas, ela chama atenção de gente que preferia silêncio. A investigação deixa de ser invisível. A protagonista recebe um aviso e precisa decidir se segue com o plano ou recua. Essa decisão tem efeito prático, abre a porta para uma armadilha e reduz a margem de erro. O filme mostra o custo desse movimento ao encurtar o tempo entre as telas e a rua. Há menos cliques e mais consequências imediatas. Não é o aparelho que se arrisca, é a pessoa. O ponto de maior tensão se aproxima quando June conecta duas pistas que pareciam incompatíveis e, por causa dessa junção, se vê obrigada a agir sem apoio institucional.

Os diretores usam o formato de telas com finalidade narrativa, e não apenas como estética. Sempre que a edição empilha janelas, chamadas e gravações, a informação se transforma em ação. O cursor que hesita antes de enviar uma mensagem indica medo de errar um passo que pode comprometer a busca. Um time-lapse de abas abertas encurta dias e comunica que a protagonista trabalhou sem descanso. Uma mudança de fonte de vídeo altera o ponto de vista e muda o que o público sabe naquele instante. Quando as notificações chegam em sequência, o prazo encurta e June precisa escolher o que responder primeiro, elevando a chance de erro. O relógio anda mais rápido porque o perigo encostou na família.

Os coadjuvantes têm função definida no encadeamento. Kevin, vivido por Ken Leung, representa a variável de confiança. Se ele mente, as provas ligadas a ele pedem verificação tripla. Javi, com a humanidade prática que Joaquim de Almeida imprime, serve de contrapeso, oferecendo evidências físicas em uma investigação conduzida a distância. Veena, interpretada por Megan Suri, é o apoio técnico e emocional que mantém June operando quando a fadiga cobra o preço. O agente Park, papel de Daniel Henney, demarca os limites da ação oficial e informa os riscos legais de decisões apressadas. Cada personagem mexe em objetivo, obstáculo ou prazo. Ninguém entra em cena sem alterar a equação.

O roteiro reserva outro giro quando sinais do passado do pai, James, vivido por Tim Griffin, voltam à superfície. A menção não é gratuita. Ela reorienta a leitura de gestos e explica escolhas antigas da mãe. A partir daí, a protagonista precisa lidar com dois mapas ao mesmo tempo, o geográfico e o afetivo. Se erra a leitura de um deles, compromete o outro. A tensão cresce porque as hipóteses correm em sentidos opostos. Se a mãe escondeu algo grave, uma pista recente pode ser isca. Se a mãe foi vítima, a demora cobra um preço que não se reverte. O enredo mantém o foco nessa balança até o ponto de maior risco, quando June se vê diante de uma decisão que define se continua do lado seguro, diante do computador, ou se atravessa a linha e se expõe.

A função do desenho de som e da música é clara e mensurável. Alertas, toques e ecos de chamada introduzem informações ou reforçam prazos. Não há efeito gratuito. Quando o filme reduz os sons do ambiente, sinaliza que a protagonista isolou uma pista importante e precisa de concentração para não perder o fio. Quando a trilha cresce, o objetivo está sob ataque. São escolhas simples, que comunicam o estado do caso e do corpo em cena. A fotografia respeita o formato de telas, de videochamadas e de câmeras de rua, e usa essas fontes para variar a confiabilidade das imagens. Um vídeo com baixa resolução exige cautela. Uma câmera institucional dá mais peso a um flagrante. O resultado é uma contagem de evidências que o público acompanha com a personagem.

A chegada ao ponto de maior tensão envolve um trajeto que não cabe nas telas. A essa altura, June entende que a única forma de testar uma hipótese é sair do quarto e se expor. A decisão desloca o eixo da narrativa e altera as chances de cada lado. O risco passa a ser físico, e a consequência imediata é a perda de controle sobre o tempo. A jovem escolhe, e o filme preserva os resultados dessa escolha. O que importa aqui é a causalidade que trouxe a história até esse limite. Uma ausência gerou uma busca. A busca quebrou a rotina. A rotina expôs segredos. Os segredos mudaram alianças. As alianças redefiniram o perigo. Resta saber como essa cadeia se encerra e quanto custa para cada um dos envolvidos.

Filme: Desaparecida
Diretor: Nicholas D. Johnson e Will Merrick
Ano: 2023
Gênero: Drama/Mistério/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★