A juventude de Barack Obama já foi dissecada em biografias, discursos e análises políticas, mas raramente sob a forma de um capítulo suspenso, anterior ao personagem histórico. “Barry”, dirigido por Vikram Gandhi, escolhe justamente esse ponto: não o futuro presidente, mas o estudante de origem fragmentada, ainda incapaz de se reconhecer em qualquer moldura social. O filme concentra-se nesse estágio embrionário da identidade, quando o indivíduo percebe a tensão entre o desejo de pertencimento e a inadequação imposta por estruturas raciais persistentes.
A narrativa acompanha sua chegada a Nova York no início dos anos 1980, ambiente urbano marcado pela desigualdade, pela violência e pela disputa entre movimentos políticos que buscavam novas respostas para o país pós-direitos civis. Obama, porém, não encontra nessas frentes um espaço que lhe permita conciliação. Há, de um lado, uma elite acadêmica que fala de justiça social com distanciamento teórico; de outro, uma comunidade negra que espera dele uma radicalidade que sua experiência interracial não sustenta inteiramente. Entre ambas, ele se depara com a impossibilidade de ser lido sem que sua cor anteceda suas ideias.
O roteiro adota como eixo dramático a alienação: a relação com a namorada branca se deteriora porque traduz um mundo que o aceita apenas quando ele suaviza sua dimensão racial; a proximidade com colegas negros evidencia cobranças que ele não consegue atender; as lembranças do pai ausente mantêm aberta uma fissura cultural que nenhuma explicação resolve. A cidade reforça esse conflito, é oportunidade e exclusão no mesmo passo. Cigarettes, ruas, bibliotecas e apartamentos apertados tornam-se o palco dessa busca por um eixo que ainda não existe.
O principal problema do filme é a hesitação em aprofundar no dilema. O discurso interno do personagem permanece frequentemente sugerido, mas não plenamente articulado. A direção prefere observar Obama de fora, quando seu ponto de vista subjetivo seria essencial para que o espectador compreendesse a densidade das contradições que ele enfrenta. Há sequências que flutuam sem clara contribuição dramática, deixando lacunas justamente quando se espera contundência.
Ainda assim, alguns elementos sustentam a experiência com consistência. Devon Terrell demonstra compreensão do personagem ao evitar maneirismos e ao construir uma postura que traduz a tensão de alguém dividido entre mundos. Sua atuação não depende de declarações ou arroubos dramáticos; é nas pausas e na forma como ele ocupa os espaços que se percebe a luta interna. A interpretação de Ashley Judd, embora pontual, funciona como contraponto emocional, a ligação com a mãe reforça a ideia de que o apoio familiar é insuficiente para resolver questões que dizem respeito à estrutura racial de um país inteiro.
“Barry” frustra expectativas de quem busca a gênese do líder político. A trajetória acadêmica, a articulação ideológica e os passos iniciais na militância são apenas indicados. O filme se concentra no vazio anterior a tudo isso: a fase em que Obama ainda é um projeto incerto, resgatando fragmentos de si para tentar formar uma unidade coerente. Essa escolha narrativa não torna a obra frágil, mas delimita seu escopo: aqui não se examina a construção do presidente, e sim o desconforto que antecede qualquer ascensão.
O resultado é um retrato parcial, consciente de suas limitações, que aponta para a formação de um pensamento crítico nascido do contato direto com injustiças concretas, não de abstrações teóricas. “Barry” analisa o indivíduo que aprende, pela experiência, que sua própria existência já é um posicionamento político, e que a busca por identidade é o primeiro combate antes de qualquer transformação coletiva.
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