Desde o momento em que vemos a luz do mundo pela primeira vez, todos nós corremos contra o relógio, na esperança de ter alguma chance de sermos felizes. Esta busca obsessiva pela felicidade, que pode se tornar patológica e em muitos casos criminosa quando tomada sob o pretexto de que deve ser alcançada a qualquer custo, certamente é um dos venenos da vida pós-moderna. Após certa idade, episódios nos quais indivíduos aparentemente sensatos tomam decisões ridículas ou, ainda pior, perversas, são comuns, tudo em nome do suposto direito à plenitude do espírito. O sofrimento que resulta de atitudes que, a princípio, tinham a intenção de buscar o bem, é danoso, mas as mentiras por misericórdia de que falava Nelson Rodrigues (1912-1980) são imprescindíveis à civilização, como mostra Nicole Holofcener em “Verdades Dolorosas”. Todas as sofisticadas opções estéticas da diretora-roteirista, que conta uma história tão comum que soa banal — e por essa razão tão humana —, servem justamente para retocar a excessiva naturalidade da vida como ela é. Holofcener acerta em cheio ao permitir que essa aura de desencanto seja palpável ao espectador, principalmente numa época de tanta felicidade fabricada, prontinha para usar. E, por conseguinte, antinatural.
Parece óbvio, mas não é tão fácil dizer o que preferiríamos, se os ludíbrios que confortam ou as verdades que ferem. Mesmo uma mulher sensata como Beth pode resvalar nessa dúvida, e a diretora sabe de que forma conduzir as incoerências de sua protagonista. Depois de dez anos, Holofcener retoma a parceria com Julia Louis-Dreyfus, a estrela de “À Procura do Amor” (2013), dedicando bastante tempo para a ironia e a denúncia de quão patéticas podem ser as relações. Escritora de sucesso, Beth lida bem com as críticas, talvez porque nunca tenha tido de encará-las de muito perto. Ela ministra um laboratório de escrita criativa na The New School de New York e acaba de encaminhar seu novo livro à editora que costuma publicá-la, temendo uma inédita recusa. Seu consolo é o marido, Don, um psicanalista atencioso que reproduz em casa a fleuma do consultório. Sempre que Beth pedira a opinião de Don acerca de seu novo trabalho, ele dissera que a esposa continuava a escrever admiravelmente, mas o destino trata de abrir-lhe os olhos para a realidade.
Don e o concunhado, Mark, fala conversavam sem nenhuma reserva na seção de meias de uma loja de artigos esportivos quando Beth e a irmã caçula, Sarah, chegam e escutam o que seria melhor ficar no limbo das verdades mudas e inúteis. Don não gosta do livro, acha que Beth perdeu a mão e precisa de um tempo para uma reciclagem. Se na introdução o eixo do filme movia-se em torno do casamento perfeito de Beth e Don, o episódio da inconfidência dele leva Holofcener a explorar a amizade das irmãs. Ainda que não tivesse nada a ver com o tumulto entre a cunhada e o marido, Mark também vai experimentando uma ou outra reação hostil de Sarah, uma mudança de ritmo estimulante, que a diretora galvaniza aos poucos, sem esquecer o conflito original. Louis-Dreyfus reveza-se nas interações com Tobias Menzies e Arian Moayed, mas o filme cresce mesmo é nas cenas de Beth com Sarah. Michaela Watkins proporciona o respiro cômico de que o enredo carece após a desilusão da protagonista, fórmula certeira de denunciar as falsidades nossas de cada dia. Haverá sempre qualquer coisa de desprezível em tudo quanto sai da boca do homem, como ensina o Bardo; então que cada um guarde para si sua honestidade.
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