Drama real com Will Smith na Netflix é o empurrão que faltava para você sobreviver a 2025 Melinda Sue Gordon / Columbia Pictures

Drama real com Will Smith na Netflix é o empurrão que faltava para você sobreviver a 2025

Há quem diga que o heroísmo no cinema vive de capas, superpoderes e frases de efeito. Mas há também o tipo de coragem que se expressa com uma lâmina de bisturi, uma bancada de laboratório e uma teimosia quase irracional diante de quem se acha intocável. “Um Homem Entre Gigantes” parte dessa categoria rara: o enfrentamento do mito por alguém que não nasceu para venerar monumentos, mas para questioná-los.

Dr. Bennet Omalu, interpretado por Will Smith com uma entrega que dispensa autoelogios, recusa-se a aceitar a morte como um evento inevitável e burocrático. Ele trata cada corpo como portador de uma história que merece ser decifrada, e é exatamente nessa obsessão que ele encontra o inimigo mais musculoso dos Estados Unidos: a indústria que transformou o futebol americano em religião nacional. Quando Omalu identifica que o cérebro dos atletas, após sucessivas pancadas, se deteriora de modo agressivo, ele não descobre apenas uma doença. Ele fere um dogma. E dogmas, como sabemos, não reagem bem quando alguém ousa desmontá-los sob a luz da ciência.

Há algo profundamente sedutor nesse choque entre razão e espetáculo. Enquanto a liga dos grandes colossos prefere o silêncio confortável, Omalu insiste em perguntar onde foi parar a humanidade por trás das glórias televisivas e do hino tocado com mão no peito. O filme explora com ironia amarga o patriotismo seletivo: ama-se o jogador enquanto ele entretém o público; o que acontece quando a diversão cobra seu preço? Melhor não falar sobre isso, e, se possível, sepultar o incômodo com todo o resto.

Smith encontra aqui um papel raro: intenso sem histrionismo, sensível sem fragilidades decorativas. Seu sotaque, alvo de previsíveis patrulhamentos, funciona como emblema da alteridade, o estrangeiro que enxerga o que os nativos se recusam a admitir. O ator sustenta a narrativa quase sozinho, não pela ausência de outros talentos, mas pela força magnética que ele imprime ao personagem. É difícil não torcer por esse homem que, mesmo exausto, insiste na verdade como último luxo possível.

A direção mantém o suspense ético em primeiro plano. Não há explosões, perseguições ou vilões caricatos. Há portas fechadas, telefonemas que soam como ameaças educadas demais, e aquele silêncio que pesa quando corporações aprendem a dominar o medo alheio com sorriso corporativo. Os antagonistas aqui não brandem armas; eles oferecem oportunidades, contratos, prestígio, e esperam que a consciência aceite calar para não atrapalhar o negócio.

O romance que atravessa a trajetória de Omalu funciona como respiro lírico, lembrando que até os mártires eventuais precisam de algo que lhes devolva o prazer de existir. Ouso me incluir com meu nome próprio como observadora parcial, tem certa simpatia pela forma como o filme sugere que amar alguém pode ser o mais sólido dos labirintos. Porém, mesmo esses momentos de ternura servem para reforçar que enfrentar gigantes custa caro, sobretudo quando se vem de outra terra, outra cultura, outro modo de pertencer ao mundo.

“Um Homem Entre Gigantes” não busca santificar seu protagonista. O que o filme faz é propor uma pergunta incômoda, que deveria ecoar muito além da sala escura: quantos corpos precisam tombar para que o entretenimento siga intocado? Quem lucra com o silêncio? E por que a verdade ainda parece ser privilégio de quem pode pagar por ela — ou destruí-la?

Alguns espectadores talvez deixem a sessão acreditando ter assistido a mais uma história sobre perseverança individual. Mas há algo maior escondido nas entrelinhas: o lembrete de que a ciência pode ser revolucionária quando recusa o conforto do consenso. Dr. Omalu não desafiou apenas uma liga esportiva; ele cutucou o ego de uma nação inteira. E o fez com aquilo que os verdadeiros gigantes temem: coragem que não pede licença.

Filme: Um Homem Entre Gigantes
Diretor: Peter Landesman
Ano: 2015
Gênero: Biografia/Drama/Esporte
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★