O filme devastador sobre a inocência na guerra que vai te destruir por dentro, na Netflix Divulgação / Miramax

O filme devastador sobre a inocência na guerra que vai te destruir por dentro, na Netflix

Há histórias que prefeririam permanecer escondidas na gaveta pesada da História. Mas vez ou outra surge um relato que insiste em lembrar ao mundo que o horror não se sustenta apenas em armas, discursos inflamados ou símbolos costurados em braçadeiras, o horror se alimenta do silêncio, da obediência e daquela noção cruel de “normalidade” que as ideologias mais sombrias adoram vestir. Nesse terreno minado entre o absurdo e o cotidiano está “O Menino do Pijama Listrado”, um filme que se arrisca a contar o Holocausto não pelos trilhos dos poderosos, mas pelo olhar de uma criança que ainda não sabe temer: Bruno.

O garoto cresce cercado por conforto, dentro de uma família que vive da fantasia de que tudo vai muito bem, obrigada. A nova casa, longe de Berlim, tem jardim impecável e paredes que escondem o fedor da guerra. Bruno, com aquela inquietação típica de quem ainda não aprendeu a ter medo, encontra no limite da propriedade um campo cercado por arame que, aos olhos dele, parece mais estranho do que perigoso. Do outro lado, Shmuel veste o que ele imagina ser um pijama, porque como explicar a violência quando ela já se disfarçou de rotina?

O filme constrói algo raro: uma ingenuidade que não é tola, mas trágica. A amizade entre os dois meninos é tão espontânea quanto proibida. Não nasce de compaixão ou heroísmo, apenas da curiosidade sincera de quem ainda não foi adestrado a odiar. Bruno escuta discursos patrióticos, recebe lições de um tutor que idolatra uma nação e demoniza outra. Ele tenta absorver tudo, mas algo não encaixa. Aquele amigo magro, que perde familiares e vive atrás de cercas, não se parece nem um pouco com o monstro descrito pelos adultos.

A força do filme está em como revela que o mal não precisa rugir para existir. Ele também sussurra, passa pelo jantar de domingo, se acomoda na sala de estar e educa crianças sem que ninguém levante a voz. A mãe, com seus olhos que evitam encarar a verdade; o pai, orgulhoso da própria eficiência; a irmã, que troca bonecas por brasões nazistas, todos personificam o perigo da conformidade. Enquanto isso, o mundo de Shmuel se resume a sobreviver dentro da lógica brutal que escolheu quem deveria viver e quem precisava ser apagado.

Mas é Bruno, justamente o mais vulnerável, quem decide atravessar a fronteira. Não como ato político, e sim como gesto de lealdade infantil, aquele tipo de lealdade que desmonta qualquer justificativa ideológica, porque ainda não aprendeu a racionalizar a crueldade. A travessia, que começa como brincadeira, culmina em um desfecho que ninguém, nem mesmo o espectador acostumado aos relatos da Segunda Guerra, está preparado para encarar sem se desmanchar um pouco por dentro.

Quando a escuridão engole os dois meninos dentro das câmaras de gás, o filme entrega seu argumento definitivo: não há hierarquia na morte quando a maldade se torna política pública. O choque não é gratuito, é calculado para arrancar a máscara civilizada que muitos ainda tentam colar sobre o passado.

“O Menino do Pijama Listrado” evita grandes discursos porque entende que nada é tão devastador quanto a constatação de que a destruição pode parecer normal quando quem a pratica acredita estar fazendo o bem. A história de Bruno e Shmuel não é um conto sobre amizade “superando tudo”, mas uma acusação direta à covardia de quem não questiona, de quem apenas cumpre ordens, de quem troca empatia por patriotismo como quem troca uma camisa.

Talvez o cinema não cure feridas históricas. Porém, quando uma narrativa como esta nos força a enxergar o desumano pelo prisma da inocência, ela arranha nossa própria acomodação. E, no incômodo que deixa, encontramos o único antídoto possível contra o esquecimento: nunca naturalizar a barbárie.

Filme: O Menino do Pijama Listrado
Diretor: Mark Herman
Ano: 2008
Gênero: Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★