Para Tarantino, esta não é apenas uma comédia — é a maior já feita na história do cinema. E agora, ela está no Prime Video Bettman / Metro-Goldwyn-Mayer

Para Tarantino, esta não é apenas uma comédia — é a maior já feita na história do cinema. E agora, ela está no Prime Video

O conflito central expõe um homem que deseja manter um relacionamento enquanto protege vícios de comportamento, e uma mulher que deseja crescer sem carregar o peso das neuroses dele. Em “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, dirigido por Woody Allen e estrelado por Woody Allen e Diane Keaton, a história acompanha um humorista nova-iorquino e uma cantora em início de carreira. O diretor conduz o par por encontros, ensaios de mudança e choques de rotina. O enredo observa como um romance avança quando alguém arrisca autonomia e como recua quando velhos hábitos ganham a discussão.

Alvy Singer, comediante stand-up vivido por Woody Allen, quer uma relação estável que preserve sua zona de conforto. Ele inicia a trajetória com desconfiança do mundo, controle excessivo e necessidade de explicar tudo por piadas. Annie Hall, interpretada por Diane Keaton, busca reconhecimento artístico, intimidade e liberdade para experimentar novas experiências. O primeiro objetivo dele é convencer Annie a permanecer próxima e moldar a convivência às suas manias. O primeiro objetivo dela é conquistar espaço e reduzir a dependência do olhar de Alvy. O namoro começa com encontros leves, aulas de direção de carro, conversas sobre arte e idas a clubes. A cada passo, o casal testa limites: quem dirige, quem escolhe o filme, quem dita o tom da conversa. O humor funciona como ponte, mas também como estratégia para esconder insegurança.

Os obstáculos crescem conforme decisões práticas expõem diferenças. Alvy rejeita mudanças que o afastem de Nova York e mantém rituais rígidos, como restaurantes específicos e horários previsíveis. Ele demonstra ciúme do círculo musical de Annie e desprezo por ambientes que não controla. Annie, por sua vez, aceita críticas no começo, mas passa a questionar a tutela afetiva quando professores e amigos a encorajam a cantar e a estudar. Quando recebe incentivos reais para gravar e se apresentar, o calendário do casal muda e redistribui o tempo entre ensaios, saídas e compromissos. A consequência imediata é o aumento da distância emocional, porque cada vitória de Annie soa para Alvy como ameaça ao equilíbrio que ele deseja.

As viradas chegam ligadas a decisões de trabalho e deslocamento. Um convite para novas oportunidades altera o eixo da relação: Annie avalia mover-se para outro ambiente profissional e social, enquanto Alvy pressiona para manter a rotina antiga. Quando o casal viaja e testa outra cidade, a narrativa transforma cenário em argumento. Los Angeles, na Costa Oeste, abre portas para contatos com produtores e oferece a Annie oportunidades concretas. Para Alvy, o mesmo espaço acentua desconforto. Esse contraste muda o risco do relacionamento, porque escolhas geográficas passam a definir a sobrevivência do vínculo. A cada reunião que Annie aceita, Alvy se sente mais deslocado e revida com ironia ou sabotagem passiva, o que rebaixa a confiança dela no futuro de ambos.

A montagem alterna lembranças e cenas presentes para explicar como a relação foi construída e corroída. Quando Alvy revisita episódios antigos, o filme usa essa estrutura para indicar causa e efeito: um comentário desdenhoso em um jantar provoca reação de Annie no dia seguinte; uma discussão sobre terapia interfere no desejo dela de continuar cantando. A narrativa mostra repetições de padrão. Alvy procura validação intelectual como condição para amar. Annie procura acolhimento para arriscar no palco. O casal melhora quando ele escuta sem corrigir tudo, e piora quando ele responde com piadas defensivas. Cada conversa altera o tempo dramático porque define se o próximo encontro será de reconciliação ou de afastamento.

A presença de Rob, amigo de Alvy vivido por Tony Roberts, funciona como espelho pragmático. Sempre que Rob propõe uma saída profissional, Alvy precisa decidir entre avançar na carreira e dedicar tempo a Annie. Essa bifurcação conduz a novas tensões. Quando Annie encontra reconhecimento fora do círculo de Alvy, a balança do casal pende para a autonomia dela. O protagonista sente a perda de controle e tenta recuperar terreno com gestos intempestivos, como convites repentinos e declarações feitas sem medir o momento. O efeito é contrário ao desejado: Annie percebe manipulação e recua.

A direção altera o ponto de vista em cenas que pedem distanciamento crítico. Em uma fila de cinema, a câmera valoriza o embaraço social de Alvy quando ele confronta um desconhecido para provar uma tese, o que evidencia sua compulsão por ter razão. Essa decisão visual não surge por ornamento; ela muda a informação disponível ao espectador e explica a falha de Alvy em ambientes compartilhados. Em outro trecho, quando Annie canta em um clube, o som evidencia hesitação inicial e evolução progressiva, deslocando o foco para o crescimento dela. O contraste entre a segurança de Alvy no palco da comédia e a construção paciente da voz de Annie em casas pequenas explica o descompasso do casal sem adjetivos.

O ponto máximo ocorre quando a oportunidade de vida nova se torna concreta e impõe escolha simultânea de cidade, trabalho e modo de amar. Annie recebe propostas que pedem mudança imediata, com promessas de gravações e contatos mais frequentes com produtores. Alvy tenta manter o relacionamento impondo condições que preservam seus hábitos. A cena coloca lado a lado dois desejos legítimos que não cabem no mesmo espaço e tempo. O risco maior é o de um acordo que destrói a autoestima de um e reforça a ansiedade do outro. A consequência direta é um rompimento temporário e uma avaliação fria sobre o que cada um pode ceder sem se perder.

Após esse ponto máximo, decisões posteriores refletem o aprendizado dos dois. Alvy tenta reescrever a história e usa seu ofício para dar forma a uma versão possível de final, o que revela o quanto precisa controlar o sentido das coisas. Annie, mais segura, observa as lembranças com afeto, mas sem abrir mão do caminho aberto por sua própria voz. Amigos permanecem como mediadores, ora facilitando reconciliações pontuais, ora confirmando que interesses em rota oposta pedem distâncias saudáveis. O enredo mantém a tensão sem espetacularizar brigas. Mostra como escolhas cotidianas, somadas, redefinem promessas e expectativas.

Os diálogos são diretos e funcionam como instrumentos de poder. Quando Alvy corrige a linguagem de Annie ou minimiza um elogio que ela recebe, ele busca retomar a posição central. Quando ela questiona o ciúme e pede liberdade para estudar e trabalhar, ela desloca a hierarquia do casal. Essas trocas informam mais do que declarações amorosas, porque determinam o que acontece na cena seguinte: um ensaio, uma consulta, um convite, uma ausência. O humor não serve para dourar a crise; serve para expor a lógica de defesa de um homem que teme abandono e de uma mulher que precisa de espaço para crescer.

A cidade funciona como personagem indireta. Nova York oferece rotinas previsíveis que acalmam Alvy e um circuito cultural que dá a Annie oportunidades iniciais. Los Angeles oferece outra cadência e contatos diferentes, o que amplia a agenda dela e testam a paciência dele. A geografia, portanto, ajusta o tempo das decisões. Cada deslocamento altera a agenda do casal, e cada agenda diferente altera o vínculo.

No desfecho do arco principal, o par descobre limites que afeto não resolve sozinho. Ele aprende a reconhecer a própria rigidez e tenta transformá-la em material de trabalho. Ela consolida autonomia sem apagar lembranças. O que fica é a evidência de que decisões práticas moldam promessas amorosas, e que hábitos antigos tendem a reaparecer quando a rotina volta a apertar.

Filme: Noivo Neurótico, Noiva Nervosa
Diretor: Woody Allen
Ano: 1977
Gênero: Comédia/Romance
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★