Quentin Tarantino sempre adorou brincar de marionetista com a violência, puxando fios de sangue como quem arma uma alegoria pop de matinê. Só que em “Kill Bill: Volume 2”, ele toma um gole de maturidade, ou algo próximo disso, e resolve que seus personagens não podem viver de cortes de katana e trilhas de Ennio Morricone recicladas. Subitamente, a vingança deixa de ser videogame e vira drama de gente grande. É quase assustador ver o menino travesso do cinema americano descobrindo que emoções existem.
Se o primeiro filme era pura adrelina estilosa, um parque de diversões com lâminas, o segundo prefere caminhar com a lentidão do duelo ao pôr do sol, mirando em Leone com a mesma devoção com que um adolescente mira seu pôster de ídolo na parede. Tarantino desacelera, não por preguiça, mas para que possamos, pela primeira vez, encarar a mulher por trás do codinome: A Noiva (Uma Thurman) não é mais só uma silhueta furiosa; ela sangra por dentro, e não apenas sobre o tatame.
A ironia é que, ao tentar esconder a pirotecnia, o filme expõe algo ainda mais explosivo: a fragilidade. David Carradine, com sua voz de filosofia barata e charme de cobra velha, encarna um Bill que jamais cabe na definição de vilão padrão. Ele é terrível, sim, mas também é irresistível, o tipo de erro que sempre parece certeiro até que destrói a vida inteira. Ninguém aqui sente remorso com sutileza: eles transformam trauma em estilo de vida.
E então chegamos ao grande truque: Tarantino se afasta do massacre para observar as ruínas. A história se dobra sobre o passado, revelando que a violência não brota do nada: ela é herança, treinamento brutal, lealdades tortas. O confinamento sob a terra, naquela sequência que nos deixa sem ar, funciona como um batismo: quem irrompe daquela sepultura improvisada não é mais assassina, mas sobrevivente. E sobreviventes não seguem roteiro: improvisam com unhas, memórias e rancores.
A graça é que, quando o confronto final chega, Tarantino troca o espetáculo pelo silêncio. Em vez de estrondos coreografados, temos confissões, reticências e um golpe letal que mais parece uma declaração de amor torta. Duas pessoas que se destruíram justamente porque nunca souberam viver separadas. A heroína vence, claro, mas não há aplausos para quem corta o próprio passado ao meio.
O filme nos lembra de algo desconfortável: vingança não cura nada, só reorganiza o caos. E Tarantino, o eterno garoto travesso, finalmente admite que histórias de sangue sempre escondem um coração teimoso, mesmo que ninguém saiba direito o que fazer com ele.
”Kill Bill: Volume 2” é a prova de que, quando o cinema decide olhar para os conflitos que fingimos não sentir, ele se torna mais perigoso do que qualquer nunchaku. Afinal, poucas coisas assustam tanto quanto a hora em que o espetáculo desce do palco e nos obriga a encarar as consequências.
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