Acabou de chegar à Netflix: filme argentino baseado em história real transforma a busca por justiça em um labirinto de tirar o fôlego Divulgação / Netflix

Acabou de chegar à Netflix: filme argentino baseado em história real transforma a busca por justiça em um labirinto de tirar o fôlego

Quase sempre, a convivência entre pais e filhos é, cheia de idas e vindas, altos e baixos, situações em que a parte mais velha desaconselha muitas das atitudes que definem e justificam a existência de quem responde pelo lado mais novo. Uma mãe atravessa o inferno para libertar o filho, principalmente se é capaz de botar a mão no fogo e atestar sua inocência. Enfrentar a humilhação das ruas, bater em portas que nunca se abrem, perder o sono, chorar escondido viram coisas rotineiras, e nem todas suportam. Andrea Casamento suportou, movida por uma estranha obstinação, como mostra o argentino Benjamín Ávila em “A Mulher da Fila”, pequeno recorte da vida de uma mulher corajosa, incansável, à procura da verdadeira justiça. Ávila e o corroteirista Marcelo Muller aproximam-se dos bons trabalhos dos irmãos Dardenne ou até do Hirokazu Kore-eda do excelente “Ninguém Pode Saber” (2004), mas percebe-se já nos primeiros minutos o DNA da mais diversa e frutífera praça cinematográfica da América do Sul.

Andrea tem uma vida razoavelmente cômoda num bairro de classe média de Buenos Aires, onde mora com os três filhos. Ela acorda cedo, leva as crianças para escola e se dirige para o trabalho, uma empresa de seguros no centro. Gustavo, o mais velho, já terminou a escola, ainda não tem ocupação, e desde então o diretor vai dando pistas do que irá acontecer, mas o que se assiste a seguir é escandaloso. No que parecia mais uma manhã feito todas as outras, policiais arrombam a porta atrás de Gustavo, acusado de participação num assalto à mão armada. Abate-se sobre a família uma espiral de tristeza, medo e paranoia, tudo isso galvanizado pelos julgamentos dos vizinhos e a hostilidade dos carcereiros, que perfuram os sabonetes e reviram potes de comida em busca de entorpecentes e armas. A revista íntima só não é mais ultrajante do que a vontade de entregar os pontos.

As visitas de Andrea a Gustavo são o filme dentro do filme. Em sequências engenhosas, Ávila mostra a protagonista angustiada junto às demais parentes de presidiários, esperando para cruzar o portão da cadeia e entregar as coisas de que o primogênito necessitava ou sendo hostilizada pelas outras mulheres, também sofridas, mas brutalizadas. Paulatinamente, a narrativa desdobra-se pelos sentimentos de Andrea, nem sempre nobres, mas sem dúvida genuínos, com direito a um desentendimento com o garoto, intercorrência que não lhe impede de continuar indo até ele. Andrea faz amizade com Vinte e Dois, mãe de um detento, e vai à festa de aniversário do neto dela, num dos raros momentos de respiro da trama. Natalia Oreiro circula de um núcleo para o outro, levantando a bola para Federico Heinrich e Amparo Noguera, até que desponta o romance com Alejo, de Alberto Ammann. Resta clara a intenção de Ávila quanto a contornar uma possível mitificação de Andrea, uma mulher comum, mas que não perde a sensatez e a capacidade de se indignar, a exemplo do que se verifica em seu trabalho à frente da Associação Argentina de Familiares de Detentos (ACIFAD) e como delegada do Comitê das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura. A dor é inevitável, mas o sofrimento pode-se evitar, como lhe diz Vinte e Dois.
Uma mulher obstinada enfrenta um imenso labirinto à procura de justiça em drama verídico na Netflix

Filme: A Mulher da Fila
Diretor: Benjamín Ávila
Ano: 2025
Gênero: Biografia/Crime/Drama
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.