A questão que impulsiona “A Hora do Mal” não é simplesmente o desaparecimento simultâneo de crianças em uma pequena cidade da Pensilvânia, mas o colapso silencioso de um pacto social que todos acreditam indestrutível: o de que nossas vidas são governadas pela lógica, pela causalidade e pela proteção recíproca. Quando esse acordo se desfaz, sem aviso, sem motivo, sem negociação, o medo não é uma reação emocional, mas um diagnóstico: o mundo deixou de fazer sentido. Zach Cregger investiga esse ponto exato de ruptura e não oferece qualquer tipo de consolo.
A narrativa se organiza em blocos que se interligam, sem pressa de fornecer respostas. A estrutura fragmentada não é mero artifício estilístico: ela reflete o estado mental de uma comunidade que tenta encaixar peças de um quebra-cabeça cujas bordas foram arrancadas. Cada personagem, de um professor abalado a um policial exaurido, opera dentro de um sistema deteriorado, em que a verdade se torna uma hipótese incômoda e sempre provisória. A ausência é o fato central; o resto é tentativa de interpretação.
O filme avança como uma investigação coletiva em que todos são ao mesmo tempo cúmplices e vítimas. A cidade cria um vilão provisório, a professora responsável pela turma, porque atribuir culpa é uma forma rudimentar de restaurar a ordem. No entanto, a culpa aqui é apenas um ritual desesperado: não se procura justiça, e sim alívio. Cregger demonstra como o medo reorganiza relações de forma brutal, revelando que nenhuma instituição está preparada para lidar com o inominável.
Há um rigor técnico evidente. A construção do suspense é sustentada por silêncios calculados e por uma iluminação que parece negar ao espectador a sensação de orientação. O espaço urbano é filmado como um organismo fechado, onde cada rua devolve a mesma pergunta: se algo tão absurdo pode acontecer sem explicação, o que impede que aconteça de novo? A trilha sonora raramente interfere, deixando a angústia respirar sem mediação. A direção está menos interessada em sustos do que em ampliar a suspeita de que não há controle possível.
As atuações funcionam como extensão desse pessimismo. Pais, professores, policiais, todos atravessam a narrativa guiados por uma racionalidade que se dissolve a cada tentativa de encaixar os acontecimentos nos moldes conhecidos. A personagem da tia do único aluno que permaneceu na cidade se destaca ao representar a tensão máxima entre negação e reconhecimento. Ela observa o abismo que se formou e não tenta cobri-lo com explicações fáceis.
Cregger insiste em um princípio desconfortável: quando o medo se torna a única certeza, a realidade se reorganiza em torno dele. “A Hora do Mal” caminha para uma revelação que, inevitavelmente, dividirá o público. Não pela presença de um excesso irracional, mas pela recusa obstinada em devolver ao espectador o conforto de um mundo decifrável. É nesse ponto que o filme se distancia da mera provocação e alcança outra dimensão: a de fábula sombria sobre o esgarçamento da racionalidade contemporânea.
Não há catarse. Nada é pacificado. A última sequência preserva aberta a fissura entre o que se pode explicar e o que continua escapando, lembrando que a normalidade é apenas uma cortina fina demais para a confiança que depositamos nela. O terror não está naquilo que ameaça as crianças, mas na fragilidade dos adultos que acreditavam controlar o futuro.
”A Hora do Mal” não demanda crença, mas lucidez. Ele observa a sociedade tentando salvar a si mesma com ferramentas que já não funcionam. E, ao expor essa falência, desafia o espectador a admitir que o desconhecido não precisa de grandeza para destruir uma comunidade; basta que ele exista.
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