O cinema romântico insiste em reafirmar uma crença que, embora não conste em tratados filosóficos, move sociedades inteiras: o amor permanece como a narrativa mais resistente do mundo contemporâneo. “O Amor Mandou Mensagem” parte desse pressuposto com uma premissa aparentemente trivial: uma mulher enviando mensagens para um número que já não pertence ao homem que amou, mas tenta desenvolver daí uma reflexão sobre o luto, o apego e a reconstrução possível do desejo. O resultado, no entanto, oscila entre lampejos de autenticidade e uma estrutura pré-programada a emocionar sem aprofundar.
Mira Ray, ilustradora de livros infantis, encontra-se no segundo ano após a morte de John, seu companheiro atropelado por um motorista alcoolizado. A vida segue, mas não por ela. A protagonista parece habitante de um presente suspenso: os dias passam, mas permanecem sem sentido, como se o mundo tivesse perdido sua espessura. A figura de Mira concentra uma das discussões mais relevantes do filme: o direito de se demorar no sofrimento, mesmo quando todos ao redor julgam que “já foi tempo demais”. O luto aqui não é tratado como irracionalidade, e sim como a insistência emocional que quem amou conhece muito bem.
É dessa insistência que nasce o dispositivo narrativo central. Mira envia mensagens ao antigo número de John, agora instrumento de trabalho de Rob Burns, crítico musical que, ironicamente, também vivencia seu próprio fracasso afetivo. Rob transforma a intimidade que recebe por engano em combustível para continuar vivendo. É aí que o enredo se aproxima de questões éticas interessantes: até que ponto esse tipo de observação do outro, unilateral, acidental, pode ser legitimado? A história flerta com o voyeurismo emocional ao mesmo tempo em que tenta romantizá-lo. O filme não ignora essa contradição, mas tampouco a investiga com profundidade suficiente.
O encontro entre os dois, mediado por mensagens que não deveriam ter destino, sugere um retorno ao mitológico. Não é gratuito que a ópera “Orfeu e Eurídice” apareça como ponto de convergência: trata-se de uma metáfora direta para quem tenta resgatar a vida que ficou presa ao passado. Contudo, se no mito o amor desafia a morte e falha por um olhar, aqui o destino resolve tudo com uma sucessão de coincidências roteirizadas que fragilizam a reflexão mais séria que a trama ensaia.
A introdução de Celine Dion no filme tem dupla função: ela não atua apenas como figura pública interpretando a si mesma, mas como símbolo de uma era da cultura pop em que o romantismo era assumidamente grandioso. Sua presença sustenta parte da comoção pretendida e, de certo modo, funciona como uma bússola emocional para o espectador. Entretanto, sua inserção frequentemente ultrapassa o limite entre participação justificada e vitrine promocional, lembrando que a produção nasceu com foco específico em atingir fãs da cantora.
Já Sam Heughan, apesar do carisma evidente e de uma atuação tecnicamente competente, parece restrito por um roteiro que evita riscos. Seu personagem demanda expressar conflito interior, mas é conduzido por soluções excessivamente previsíveis, o que reduz a potência dramática que poderia alcançar. Trata-se de mais um exemplo de como o filme prefere o conforto da fórmula ao desconforto das contradições humanas.
Se há méritos na narrativa, eles se concentram sobretudo na tentativa de legitimar o sofrimento como parte constituinte do amor, e não como obstáculo a ser superado rapidamente. A dor não é tratada como patologia, e sim como parte negociante do vínculo que já não pode ser exercido. Esse ponto confere ao filme momentos de verdadeira sensibilidade e justifica minimamente sua existência dentro do gênero.
Ainda assim, o projeto não se compromete a ir além do sentimentalismo controlado. A história avança exatamente como quem segue um manual de reconciliação afetiva: encontros que parecem fortuitos, conselhos de apoio sempre no instante adequado, a ideia constante de que o destino “quer o melhor para nós”. Qualquer possibilidade de inquietação filosófica é recoberta por soluções narrativas que tratam a vida como um jogo em que o amor é inevitavelmente recompensado.
“O Amor Mandou Mensagem” pode satisfazer quem busca consolo e romantismo direto, principalmente espectadores que enxergam na música apaixonada de Celine Dion um lembrete do tempo em que o amor era mais idealizado do que pensado. Entretanto, para quem espera do cinema uma reflexão mais sólida sobre a perda e sobre a ética do afeto, o resultado permanece aquém do potencial. Há sensibilidade, mas falta coragem.
O filme reafirma aquilo que muitos desejam acreditar: depois do trauma, o coração sempre reencontra o caminho. O problema central não está nessa crença em si, mas no argumento pouco disposto a confrontar o que realmente ameaça esse retorno. O amor aqui não responde a perguntas difíceis; apenas evita que elas sejam feitas. E assim, o espectador termina o filme confortado, mas não necessariamente transformado.
★★★★★★★★★★
 
 





 
                                 
                                 
                                