Um cirurgião plástico vive preso a uma mentira que ele mesmo criou. Para conquistar mulheres, finge ser casado e infeliz, acreditando que a culpa inventada o tornaria mais atraente. Quando se apaixona de verdade, precisa sustentar a farsa que o acompanha há anos. Essa é a premissa de “Esposa de Mentirinha”, dirigido por Dennis Dugan e estrelado por Adam Sandler e Jennifer Aniston, com participação de Brooklyn Decker e Nick Swardson. O roteiro é inspirado na comédia “Cactus Flower”, de 1969, baseada na peça escrita por Abe Burrows.
Danny Maccabee, interpretado por Sandler, é um homem bem-sucedido profissionalmente, mas inseguro emocionalmente. Após ser traído no passado, descobre que mentir sobre seu casamento o protege de compromissos reais. A estratégia funciona até o dia em que conhece Palmer, vivida por Brooklyn Decker, e decide tentar algo verdadeiro. Para manter a aparência de homem casado em processo de divórcio, convence Katherine, sua assistente e amiga interpretada por Jennifer Aniston, a fingir ser sua esposa. O que começa como um favor amistoso se transforma em um jogo de enganos, ampliado pela presença dos filhos de Katherine e por uma viagem ao Havaí que coloca todos os personagens diante de seus próprios limites.
A direção de Dennis Dugan investe em ritmo ágil e atmosfera leve. O Havaí serve como pano de fundo para um tipo de comédia de escapismo, na qual o espaço ensolarado contrasta com a confusão emocional dos protagonistas. A fotografia explora a luminosidade natural e o mar como refúgio simbólico, reforçando a sensação de fuga que domina a trama. O ambiente tropical é parte da estratégia narrativa: quanto mais descontraído o cenário, mais evidentes se tornam as tensões internas dos personagens.
Adam Sandler interpreta Danny com o humor habitual, mas em registro contido. Seu personagem é menos explosivo que o padrão de suas comédias anteriores, o que permite ao roteiro explorar nuances de insegurança e arrependimento. Jennifer Aniston, por sua vez, assume papel central ao equilibrar ironia e afeto. Sua Katherine é prática, sarcástica e emocionalmente disponível, uma combinação que sustenta o tom cômico e dá credibilidade à virada romântica. A sintonia entre os dois atores é o principal motor do filme, responsável por manter a fluidez das cenas e transformar situações previsíveis em momentos de genuína diversão.
O roteiro combina elementos tradicionais da comédia de enganos — disfarces, mal-entendidos, coincidências — com observações sobre a dificuldade de manter aparências. As mentiras de Danny acumulam consequências cômicas, mas também revelam o medo de se expor. A amizade entre ele e Katherine, marcada por confiança e sarcasmo, gradualmente ganha outra dimensão. O público percebe o deslocamento emocional antes dos próprios personagens, o que cria expectativa e leve suspense. A tensão cresce não pela dúvida sobre o desfecho, mas pela curiosidade de ver como cada mentira se desdobrará.
O humor segue o estilo característico de Dugan e Sandler: físico, direto e centrado em situações cotidianas levadas ao absurdo. Há piadas que dependem do improviso e outras que se apoiam no constrangimento social. Algumas gags parecem datadas, especialmente as que exploram estereótipos, mas o filme compensa com momentos de espontaneidade, principalmente nas cenas com as crianças. Elas funcionam como contraponto moral, expondo a hipocrisia dos adultos e devolvendo à história um senso de leveza.
O enredo avança com segurança dentro das convenções do gênero. O espectador reconhece cada etapa: o plano que dá errado, a mentira que cresce, o sentimento que muda de direção. Essa previsibilidade não compromete o interesse, pois o foco está no percurso emocional e na química do elenco. A montagem mantém o ritmo vivo, alternando diálogos rápidos e situações físicas sem prolongar o humor além do necessário. O resultado é uma comédia que diverte sem exigir reflexão moral, mas que ainda deixa espaço para alguma ternura.
Jennifer Aniston domina o tom da narrativa ao humanizar a história. Sua presença equilibra o humor masculino de Sandler com observações sutis sobre rotina, maternidade e cansaço emocional. Katherine representa a estabilidade que Danny tenta evitar, e é justamente essa estabilidade que o atrai. O filme ganha consistência quando se concentra nessa relação e abandona o exagero das subtramas. Há breves instantes em que o olhar de Aniston substitui a piada e conduz o drama para um território mais realista, sem comprometer a leveza geral.
A trilha sonora, marcada por músicas pop e instrumentais suaves, reforça a atmosfera de férias permanentes. O contraste entre o cenário paradisíaco e a mentira sustentada cria uma tensão leve, quase imperceptível, que mantém o interesse até o desfecho. A direção de Dugan evita moralismos e aposta em ritmo e carisma. Mesmo quando as situações beiram o absurdo, o filme preserva coerência tonal. Tudo se move dentro da promessa de entretenimento fácil e descontraído.
“Esposa de Mentirinha” não propõe grandes surpresas, mas encontra charme na simplicidade. A história fala sobre o medo de se comprometer e o alívio de ser aceito sem máscaras. As mentiras que alimentam a comédia também servem para revelar a fragilidade dos personagens. No riso, há uma admissão de erro; na confusão, a chance de começar de novo. Entre gestos desajeitados e palavras inventadas, o filme deixa um lembrete discreto: mesmo a mentira mais engenhosa precisa de verdade para sustentar o amor.
★★★★★★★★★★

