Novo suspense de Ron Howard no Prime Video é aula de história sem sair de casa Divulgação / AGC Studios

Novo suspense de Ron Howard no Prime Video é aula de história sem sair de casa

”Eden”, dirigido por Ron Howard, narra sobre um grupo de europeus pós-Primeira Guerra busca isolamento nas Ilhas Galápagos para fundar um novo modelo de vida, livre da moral decadente do Velho Mundo. A premissa parece promissora, e de fato é, mas o resultado é um estudo sobre como qualquer ideal de pureza se dissolve quando confrontado com a natureza humana, que não é nem pura, nem regenerável, apenas teimosamente igual a si mesma.

O roteiro, escrito por Noah Pink, adapta relatos reais da “Galápagos Affair”, uma história verídica que já continha em si uma moral filosófica: a impossibilidade de escapar de si. Friedrich Ritter (Jude Law), um médico alemão que abandona a civilização para viver de modo “natural”, surge como uma figura nietzschiana que sonha com uma sociedade guiada pela razão e pelo desprendimento. Mas o que o filme revela é o oposto: sua racionalidade degenera em dogma, e o isolamento em tirania. Ao redor dele gravitam Dora Strauch (Vanessa Kirby), parceira fragilizada por uma doença degenerativa, e o casal Wittmer (Daniel Brühl e Sydney Sweeney), mais pragmáticos e discretos, que contrastam o idealismo de Ritter com uma ética do trabalho e da sobrevivência.

A chegada da baronesa Eloise von Wagner (Ana de Armas) e seus dois amantes transforma a ilha em um palco de vaidades e disputas por poder. A ideia de um Éden alternativo desaba na medida em que as personalidades colidem, e a convivência, antes utópica, assume tons de paranoia e delírio. Howard constrói esse colapso com um senso de progressão contido: não há explosões nem violência explícita, mas a tensão cresce como uma febre silenciosa. É um filme que não busca empatia; interessa-se pelo diagnóstico. O diretor, conhecido por seu olhar mais conciliador, aqui se esforça para manter a neutralidade de um observador que reconhece, mesmo que tardiamente, a falência do idealismo romântico.

A narrativa de ”Eden” é mais sólida quando se concentra na deterioração dos personagens do que quando tenta sugerir grandes metáforas. Howard filma a natureza como uma presença indiferente, bela, mas impassível, contrapondo o silêncio do ambiente ao ruído moral de seus habitantes. A fotografia aposta em tons desbotados, sugerindo que o paraíso nunca foi tão verde quanto se imaginava. Há algo de clínico na forma como a câmera observa o isolamento: sem lirismo, sem nostalgia, apenas o retrato de um experimento social condenado à autodestruição.

Ainda que o elenco traga força dramática, especialmente Sweeney e Brühl, que sustentam o lado mais humano do filme, Howard parece contido, talvez em excesso. A narrativa evita se aprofundar nas contradições ideológicas dos personagens, preferindo uma leitura mais literal da decadência moral. O resultado é um filme intelectualmente instigante, mas emocionalmente frio. ”Eden” convence mais como reflexão filosófica do que como experiência sensorial.

Há, contudo, uma dimensão que o filme capta com precisão: a de que toda utopia é, no fundo, uma forma de arrogância. O desejo de começar do zero pressupõe que o erro é sempre externo, da sociedade, da política, dos outros, nunca de quem sonha o novo mundo. A ilha das Galápagos torna-se, então, um espelho do século 20: a promessa de regeneração que repete as mesmas estruturas de dominação, o mesmo orgulho, a mesma cegueira.

O que resta não é o paraíso destruído, mas a constatação de que o paraíso nunca existiu. A tragédia de ”Eden” não está nos crimes ou nas mortes que o inspiraram, mas na falência de uma crença, a de que se pode reformar o humano sem compreender sua própria sombra. Howard, talvez sem querer, faz um filme sobre a impossibilidade da pureza, sobre o cansaço das ideias que se acreditam redentoras. “Eden” não é apenas uma narrativa histórica, mas um lembrete incômodo: o homem, onde quer que vá, leva consigo o seu próprio exílio.

Filme: Eden
Diretor: Ron Howard
Ano: 2024
Gênero: História/Suspense
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Fernando Machado

Fernando Machado é jornalista e cinéfilo, com atuação voltada para conteúdo otimizado, Google Discover, SEO técnico e performance editorial. Na Cantuária Sites, integra a frente de projetos que cruzam linguagem de alta qualidade com alcance orgânico real.