“Antes do Adeus” é um filme que se constrói a partir daquilo que resta, o que sobra quando o amor já não é promessa, mas memória. Lançado em 2014 e dirigido por Chris Evans, o longa não busca o encantamento do primeiro encontro, e sim o desconforto daquilo que poderia ter sido. Ele parte de um acaso urbano, duas pessoas presas a uma noite nova-iorquina, para investigar a fragilidade dos vínculos humanos e o modo como, mesmo em sua brevidade, um encontro pode alterar o curso íntimo de quem o vive.
A narrativa acompanha Nick (Evans) e Brooke (Alice Eve), dois estranhos que, por circunstâncias quase banais, compartilham algumas horas em Manhattan. O que começa como um gesto de solidariedade casual, um homem ajudando uma mulher que perdeu o trem e a bolsa, se transforma em uma travessia emocional silenciosa, construída mais pelo subentendido do que pelo diálogo. Evans, em sua estreia como diretor, faz uma escolha curiosa: ele rejeita a tentação da grandiloquência e conduz o filme como se estivesse observando a lenta respiração de um instante. Nada acontece de forma espetacular, e justamente por isso tudo importa.
Há algo de profundamente adulto em “Antes do Adeus”. Não pela idade dos personagens, mas pelo que eles já perderam: a fé no ideal romântico. Ambos se movem em um espaço intermediário, entre o desejo e a renúncia, entre o arrependimento e a necessidade de seguir. A noite que compartilham não promete redenção, tampouco reinício. É um intervalo em que dois sujeitos, esgotados por escolhas malfeitas, encontram no outro um espelho temporário. O filme não fala sobre o amor em sua plenitude, mas sobre a consciência do limite, e talvez seja justamente aí que ele se torna mais honesto do que muitos romances contemporâneos.
A comparação inevitável com “Antes do Amanhecer”, de Richard Linklater, é superficial. Se o filme de Linklater partia da idealização do encontro, a crença de que o amor poderia ser encontrado entre estranhos, o de Evans parte da descrença. “Antes do Adeus” é o antípoda da juventude exaltada: substitui o impulso pelo cansaço, a expectativa pelo silêncio. Nick e Brooke não buscam apaixonar-se; buscam apenas sobreviver à solidão que os acompanha como uma sombra. Cada diálogo entre eles é uma tentativa de reconhecimento, não de conquista.
A direção de Evans revela um olhar contido e quase pudico. Ele não tenta dramatizar o ordinário; prefere observá-lo com respeito. A câmera se aproxima de seus personagens com parcimônia, evitando julgamentos ou sentimentalismos. Há uma serenidade quase estoica no modo como o filme observa a passagem do tempo, como se dissesse que, ao fim de tudo, o que resta não é o desfecho, mas o percurso. A montagem segue esse princípio, permitindo que os silêncios ganhem densidade e que o acaso adquira textura.
A cidade, tão frequentemente utilizada como metáfora da pressa e do anonimato, aqui se transforma em território suspenso. Nova York é filmada não como uma metrópole, mas como um labirinto emocional. Suas ruas, pontes e cafés são lugares de trânsito, mas também de hesitação. Evans não a utiliza como cenário, e sim como extensão do estado de espírito dos protagonistas. É uma cidade adormecida, que parece observar de longe dois indivíduos tentando compreender o que significa permanecer vivos quando o amor já não é suficiente.
O mérito maior do filme está em não confundir sutileza com inércia. “Antes do Adeus” não é um filme sobre pessoas que não fazem nada; é sobre o esforço invisível de continuar existindo. As hesitações de Nick e Brooke não são passividade, mas resistência, a recusa em repetir o ciclo da promessa fácil. Cada gesto, cada palavra interrompida, carrega o peso de uma vida inteira comprimida em algumas horas. Essa condensação do tempo, que poderia soar forçada em mãos menos sensíveis, aqui ganha uma dimensão quase filosófica: o instante como condensação de uma biografia.
A atuação de Evans, ainda que marcada por certa timidez, dialoga bem com a proposta da direção. Seu Nick é um homem em processo de esvaziamento, alguém que tenta se reconciliar com o passado, mas já sem ilusões sobre o futuro. Alice Eve, por sua vez, encontra nas restrições de sua personagem uma forma de expressar vulnerabilidade contida. Sua Brooke não quer ser compreendida; quer apenas ser ouvida por algumas horas antes de desaparecer. A química entre os dois não é imediata, e talvez nem devesse ser. Ela se constrói gradualmente, como se ambos precisassem negociar o direito de se abrir.
O roteiro é irregular em alguns momentos, principalmente quando força coincidências ou tenta justificar emocionalmente o acaso. Ainda assim, há passagens em que a simplicidade atinge uma forma de verdade: o diálogo em que os personagens discutem se é possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo, por exemplo, revela uma compreensão madura das contradições humanas. O filme não oferece respostas, e é precisamente essa recusa que o torna mais verdadeiro.
“Antes do Adeus” é uma reflexão sobre o efêmero. Fala da impossibilidade de transformar todo encontro em destino e da necessidade de aceitar o inacabado como parte da experiência humana. É um filme que desarma o espectador acostumado à previsibilidade do romance tradicional e propõe uma outra sensibilidade: a do instante que basta a si mesmo, sem promessa de continuidade.
Evans, ao estrear na direção, demonstra compreender que a maturidade emocional não se alcança por meio de grandes gestos, mas da aceitação do que se perde. Seu filme é uma pequena meditação sobre o amor que não se concretiza, e sobre o modo como a vida, em sua dimensão mais real, é feita dessas interrupções. Talvez o maior mérito de “Antes do Adeus” seja reconhecer que há beleza também naquilo que não se cumpre. O amor, aqui, não é destino nem tragédia; é apenas uma pausa necessária antes do adeus.
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