O suspense mais impactante, surpreendente e perturbador de 2025 estreou hoje no Prime Video Jasin Boland / Courtesy of Vertical

O suspense mais impactante, surpreendente e perturbador de 2025 estreou hoje no Prime Video

Uma pequena comunidade de forasteiros desembarca numa ilha isolada do arquipélago de Galápagos com a promessa de começar do zero. A ideia é simples: plantar, caçar, construir abrigos e viver sob novas regras, como se a distância do continente apagasse vícios e hierarquias. Em poucos dias, a falta de água, a logística precária e o isolamento expõem outra equação: disputa por prestígio, controle de recursos e domínio sobre corpos. É nesse conflito que “Eden” encontra o seu núcleo dramático, alternando dias de sol implacável e noites de desconfiança, enquanto aparecem lideranças improvisadas e alianças frágeis.

Dirigido por Ron Howard, “Eden” reúne Jude Law, Ana de Armas, Vanessa Kirby, Sydney Sweeney e Daniel Brühl para reencenar — com licenças de ficção — a experiência real na ilha de Floreana, nos anos 1930. A produção adota o ponto de vista dos recém-chegados para mostrar como a utopia se desfaz quando a convivência exige renúncia, trabalho e mediação de conflitos. A trilha é de Hans Zimmer; a fotografia, de Mathias Herndl; a montagem, de Matt Villa; o roteiro é assinado por Noah Pink. O filme aposta no desgaste físico e moral como força dramática.

Howard constrói a narrativa como romance de comunidade que vira suspense ético. O primeiro ato apresenta o impulso idealista: personagens cansados de uma Europa em convulsão, seduzidos por discursos de pureza, natureza e liberdade. A chegada à ilha é filmada com luminosidade quase turística, mas logo aparecem sinais de tensão: quem decide a ordem do alimento, quem guarda remédios, quem administra armas, quem define punições. A câmera observa a passagem da curiosidade à vigilância, e a trilha de Zimmer, com vozes etéreas e metais discretos, marca a virada do encanto para a ameaça.

O elenco sustenta a escalada. Jude Law compõe um líder que alterna carisma e cálculo, vendendo civilidade enquanto flerta com o mandonismo. Ana de Armas interpreta a baronesa que transforma o cotidiano em espetáculo, imantando aliados, desejos e ressentimentos. Vanessa Kirby encontra uma nota seca para narrar a exaustão do sonho quando o corpo pede abrigo e vizinhos cobram fidelidade. Sydney Sweeney apresenta a jovem que lê tarde o mapa social, mas aprende rápido; Daniel Brühl aparece como pragmático que mede riscos em voz baixa. Entre os coadjuvantes, Felix Kammerer, Toby Wallace e Richard Roxburgh ampliam o retrato de um grupo em que gentilezas viram moeda e favores custam caro.

A maior virtude está em recusar a natureza como vilã exclusiva. O perigo mora nos pactos quebrados e nos acordos de ocasião: dividir água ou esconder; acolher um recém-chegado doente ou expulsá-lo; aceitar a autoridade de quem fala mais alto ou estabelecer regras mínimas. Quando circulam boatos sobre traições e sabotagens, a encenação privilegia rostos suados, conversas ao pé do ouvido e olhares que cortam a noite. A política, mesmo em escala minúscula, vira motor de medo e instrumento de poder, e o filme se concentra no custo de decisões que parecem pequenas enquanto corroem qualquer ideia de comunidade.

Do ponto de vista material, há cuidado visível. O desenho de produção evoca ferramentas rudimentares, roupas gastas e tendas improvisadas; a paleta evita postal exótico e explora tons terrosos, sal e poeira. A fotografia trabalha contraluzes que achatam o horizonte e fazem da ilha uma panela de pressão a céu aberto. A montagem costura alternâncias entre tarefas diárias e conspirações noturnas, criando sensação de isolamento progressivo. Planos aéreos discretos situam a geografia sem romper a clausura emocional, e o som valoriza vento, água, madeira rangendo e o tilintar de metal, detalhes que bastam para comunicar desgaste.

Como adaptação de um episódio real — a disputa por território e prestígio em Floreana, registrada em relatos e reportagens —, “Eden” enfatiza o desmonte do projeto comunitário e a escalada de violência. Essa escolha dá densidade a passagens sobre controle do corpo feminino e sexo como moeda de poder, temas tratados sem efeito de manifesto. Ao mesmo tempo, o roteiro flerta com o sensacional em trechos que alongam situações eróticas além do necessário para o desenvolvimento dramático, o que pode desviar o foco da observação social. A duração amplia a impressão de redundância em diálogos que reafirmam o que já se entende por gestos e disposições de cena.

Há problemas de fôlego em personagens laterais. Um ou dois coadjuvantes viram funções ambulantes — o moralista que cede, o idealista que aceita violência “por necessidade” — e perdem nuances no momento em que as escolhas cobrariam contradições visíveis. Quando Howard recentra o filme em dilemas concretos — salvar um desafeto em risco; dividir um recurso escasso com quem mentiu —, o suspense cresce sem pedir truques. A força está na contabilidade prática: quantas mãos trabalham, quanta água resta, quem controla a próxima decisão.

A música ajuda a manter essa pressão. Zimmer alterna lamentos discretos e alertas, sugerindo um destino que não é místico, mas humano: escolhas acumuladas levam a pontos sem retorno. O desenho de som preserva a verdade do espaço — pouco barulho mecânico, muita respiração — e reforça a ideia de que a promessa de paraíso também precisa de logística. É justamente aí que tudo racha, quando o improviso cobre o planejamento e favores se convertem em dívida política.

Apesar das reservas, o núcleo permanece sólido: “Eden” afirma que não existe estado de natureza neutro. A bagagem de classe, gênero e poder viaja junto e pede passagem assim que escassez e desejo entram em cena. O filme vale quando transforma essa constatação em drama direto, sem alegorias infladas, e observa como a fome de mando encontra ambiente propício onde não há imprensa, polícia ou contratos capazes de frear impulsos. O passo seguinte — a violência — dispensa ênfase gráfica para inquietar; basta o olhar de quem percebe que liberdade sem freios cobra tributos que ninguém quer admitir em público.

No saldo, Ron Howard apresenta uma narrativa de sobrevivência que evita exotismo e investe na política miúda do convívio forçado. O elenco sustenta a corda quando o texto se alonga; a equipe técnica dá materialidade ao desgaste. Faltam cortes mais firmes e maior medida em passagens que flertam com o sensacional, mas há interesse constante em observar como idealistas em fuga repetem, numa ilha, os vícios que juraram abandonar. A pergunta que paira no último respiro não é sobre heróis ou monstros, e sim sobre regras: quem as escreve quando a chuva atrasa e a sede chega antes?

Filme: Eden
Diretor: Ron Howard
Ano: 2024
Gênero: História/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★