“Lanterna Verde” é um projeto que tenta abarcar o infinito de um universo cósmico, mas se perde no próprio vácuo que cria. A proposta de transpor para o cinema uma das mitologias mais complexas da DC exigia uma arquitetura narrativa robusta, capaz de sustentar o peso simbólico de um herói que, em essência, é a corporificação da vontade. O problema é que o filme parece incapaz de compreender o que significa essa palavra.
A jornada de Hal Jordan deveria representar o dilema entre medo e coragem, o enfrentamento do instinto de autopreservação que paralisa e o impulso ético que liberta. No entanto, o roteiro reduz essa dialética a uma sucessão de cenas previsíveis, onde a superação pessoal é tratada como um rito burocrático. O protagonista não amadurece — apenas muda de figurino. A ausência de densidade emocional não é um detalhe técnico; é um sintoma de uma narrativa que ignora a dimensão simbólica daquilo que pretende contar. O anel, que deveria ser metáfora do poder criador da mente, torna-se um adereço sem carga filosófica.
A estrutura do filme revela um desequilíbrio entre o tempo destinado à construção de universo e o tempo dedicado à formação do personagem. A pressa em justificar a existência de alienígenas, corporações intergalácticas e ameaças cósmicas acaba por diluir qualquer senso de urgência humana. A consequência é um paradoxo curioso: quanto mais o filme tenta expandir seu escopo, mais estreito ele se torna em termos de significado. Em duas horas, tenta-se condensar uma mitologia que nos quadrinhos se desenvolveu ao longo de décadas. O resultado é a impressão de um mundo vasto, mas vazio, uma grandiosidade sem substância.
Há, ainda, uma questão de coerência tonal. O diretor opta por um registro híbrido entre a aventura ligeira e a epopeia de autoconhecimento, sem jamais encontrar um eixo estável. A tentativa de alternar leveza e solenidade produz uma instabilidade desconfortável: o humor banaliza o que deveria ser trágico, e a solenidade soa deslocada diante da superficialidade dos diálogos. Esse descompasso destrói qualquer possibilidade de imersão. O espectador percebe o artifício, mas não a intenção.
O vilão Parallax, que nos quadrinhos encarna o medo como força cósmica, é reduzido a um espectro amorfo, um monstro genérico, desprovido de sentido metafísico. Isso compromete o conflito central, que deveria ser interno antes de ser externo. O herói não vence o medo: apenas o derrota graficamente. O filme se satisfaz em traduzir conceitos em efeitos visuais, como se a luz verde do anel pudesse substituir o trabalho de um argumento sólido. É um erro comum no cinema contemporâneo: supor que a estética pode suprir a ausência de pensamento.
Ryan Reynolds, apesar do carisma, parece aprisionado em um roteiro que não lhe permite explorar a ambiguidade do personagem. Sua performance é eficiente, mas sem densidade. Fica evidente que a direção não sabe o que fazer com ele: tenta moldá-lo como o típico herói relutante, mas sem o estofo psicológico necessário para justificar sua relutância. Falta a ele, e ao filme, uma consciência de propósito.
Há um ponto ainda mais grave: ”Lanterna Verde” é um exemplo de como Hollywood reduz a mitologia a um produto de consumo rápido. O universo dos Lanternas, com sua complexa estrutura ética baseada na vontade e no medo, é simplificado até o esvaziamento. Tudo se transforma em espetáculo, e o espetáculo, sem substância, perde sua função simbólica. O cinema de super-heróis, quando perde sua dimensão trágica, torna-se apenas ruído.
O fracasso de ”Lanterna Verde” não é apenas uma questão de falhas técnicas, mas a uma incompreensão do próprio gênero que tenta habitar. Adaptar uma narrativa mítica exige mais que efeitos e carisma: exige compreensão da relação entre o humano e o cósmico, entre o medo e o desejo de transcendência. O filme não falha por ser fantasioso, mas por não acreditar verdadeiramente na sua fantasia.
Resta a sensação de um universo em potencial, mas abortado por falta de coragem intelectual. O espectador não lamenta apenas o que viu, mas o que poderia ter sido, um épico sobre a força da mente e a responsabilidade do poder, reduzido a uma colagem de clichês luminosos. “Lanterna Verde” é o retrato de uma época em que a imaginação foi substituída pela pressa e o heroísmo, pela estética do marketing. A verdadeira luz, a da reflexão, permanece apagada.
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