Em “Casa de Dinamite”, de Kathryn Bigelow, dispensa o conforto narrativo do herói e a catarse previsível da vitória moral. Em vez disso, oferece um espelho estilhaçado do poder e do pânico: um retrato tão técnico quanto visceral de um mundo que opera à beira da catástrofe, guiado por homens que não sabem sequer gerenciar uma reunião virtual, mas têm o botão do apocalipse sob os dedos. A ironia, que a diretora maneja com a delicadeza de um bisturi, é que nada aqui explode de fato: o que implode é a ideia de controle.
A narrativa se dobra sobre si mesma, reinicia, muda de ponto de vista, como se a própria história tivesse entrado em colapso. Bigelow usa esse artifício não para exibir esperteza narrativa, mas para demonstrar que o erro é estrutural. Cada repetição acrescenta não esclarecimento, mas desespero. A mesma crise é vista por militares, políticos e técnicos, e nenhum deles parece compreender o tamanho do abismo que ajudaram a cavar. A guerra nuclear não é uma hipótese distante, é uma sequência de e-mails mal lidos, protocolos contraditórios e decisões tomadas com base em pressentimentos.
O presidente, figura que oscila entre a lucidez e o pânico, resume o absurdo ao admitir que recebeu mais instruções sobre substituições na Suprema Corte do que sobre o que fazer diante de um ataque nuclear. Bigelow não o julga, apenas o expõe. O filme é menos sobre culpa e mais sobre impotência: um universo onde todos estão ocupados demais salvando os próprios filhos para lembrar que comandam um país. O drama íntimo e o colapso global se tornam indistintos; afinal, quando o mundo inteiro está prestes a desaparecer, o amor e o egoísmo se confundem com a mesma facilidade com que se confunde um míssil com um alarme falso.
Há quem chame isso de frieza. Mas há uma ternura discreta na forma como Bigelow retrata a desorientação coletiva. A câmera trêmula, os enquadramentos claustrofóbicos e a trilha repetitiva, quase um mantra da ansiedade, não apenas intensificam o suspense, mas sugerem que a repetição é a essência da nossa era: os mesmos erros, a mesma retórica, o mesmo medo. “Casa de Dinamite” não busca o clímax; ela dissolve a tensão num presente contínuo de angústia, onde a catástrofe é menos um evento do que um estado de espírito.
É curioso como, num filme sobre destruição, a maior força vem do silêncio. São os momentos em que nada acontece, quando o mundo parece suspenso, que revelam o que Bigelow realmente quer dizer: o perigo não está nas bombas, mas na apatia de quem aprendeu a conviver com elas. Há uma cena em que um personagem simplesmente desliga tudo, aceita que não há salvação possível. É um gesto pequeno, quase doméstico, e, ainda assim, devastador. A diretora entende que a tragédia contemporânea é íntima, é o medo do que se torna irreversível antes mesmo de acontecer.
“Casa de Dinamite” não oferece catarse, redenção ou heroísmo. O que sobra é o desconforto, esse tipo de terror que não grita, mas ecoa. Bigelow entrega um filme que quer nos envergonhar: por acreditar que ainda temos algum controle, por fingir que a humanidade saberia o que fazer se o relógio do fim chegasse a zero. É um relato sobre a falência da razão sob o disfarce da eficiência. E, talvez, o mais assustador seja perceber que, neste espelho sombrio, há algo de absurdamente familiar.
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