Sequência de maior sucesso comercial de Steven Soderbergh está na Netflix Divulgação / Warner Bros.

Sequência de maior sucesso comercial de Steven Soderbergh está na Netflix

“Doze Homens e Outro Segredo” é uma celebração da própria esperteza, uma exibição de charme autoconsciente, como se o elenco inteiro tivesse decidido brincar de ser irresistível, e ninguém tivesse coragem de lembrá-los de que o público também faz parte do jogo. Steven Soderbergh, sempre elegante no caos, dirige essa continuação como um exercício de estilo que não se importa em perder o fio da trama, contanto que mantenha o brilho das taças e o ritmo das piadas internas.

O primeiro filme era uma fantasia sobre controle: onze ladrões coreografados como uma orquestra, cada gesto previsto com precisão de relojoeiro. Já o segundo é um caos estudado: uma anarquia chique. Danny Ocean (George Clooney) e seu grupo retornam, mas o golpe agora parece uma desculpa para viajar pela Europa, trocar olhares cúmplices e exibir ternos caros sob a luz dourada de Roma e Amsterdã. A trama, um acerto de contas com o empresário Terry Benedict, interpretado por Andy Garcia, é quase um ruído de fundo. O que realmente interessa é o jogo de egos, as piscadelas metalinguísticas e o prazer quase infantil de ver pessoas bonitas fingindo ser mais espertas do que são.

Soderbergh sempre foi um diretor que flerta com o risco da ironia virar preguiça, e aqui ele pisa firme nessa linha tênue. O filme se sabe superficial e se diverte com isso. A sequência em que Julia Roberts interpreta Tess, que por sua vez finge ser Julia Roberts, é uma das mais ousadas demonstrações de autorreferência autocômica já feitas por um blockbuster. É um momento que beira o absurdo, mas o absurdo, no universo de “Doze Homens e Outro Segredo”, é uma forma de elegância. A cena é uma piada sobre o próprio culto hollywoodiano, sobre a fabricação de estrelas e a ideia de que a identidade é apenas mais um disfarce, como um colar roubado em um museu.

No entanto, essa leveza tem um preço. Ao fazer um jogo de espelhos, o filme sacrifica a tensão que dava sabor ao original. O espectador não acompanha mais um plano meticulosamente arquitetado, mas um desfile de truques que se sobrepõem sem coerência. Ainda assim, há um prazer hedonista em assistir a essa desorganização glamourosa, algo semelhante a folhear uma revista de moda durante um voo longo: nada se fixa, mas tudo é bonito. A trilha sonora, o humor sutil e a química do elenco criam uma atmosfera que beira o hipnótico, mesmo quando a história parece ter desistido de fazer sentido.

Há também algo de deliciosamente europeu nessa despretensão. A narrativa se permite vagar, como um turista que se perde de propósito pelas ruas de Roma, só para descobrir uma vinícola escondida. O charme de “Doze Homens e Outro Segredo” é justamente essa falta de urgência: é um filme que não quer convencer ninguém de nada. Ele existe pelo prazer de existir, como um crime sem vítimas ou um flerte que não precisa se consumar.

Os personagens, antes arquétipos de um jogo de tabuleiro americano, ganham aqui um ar de desajuste encantador. Rusty (Brad Pitt), sempre mastigando alguma coisa, parece um homem cansado da própria inteligência; Linus (Matt Damon) busca relevância no meio dos veteranos e se torna o ingênuo necessário para que a trama mantenha sua humanidade; e Clooney, sempre no limite entre o charme e a autoparódia, conduz tudo com a serenidade de quem sabe que a vida, e o crime, são apenas pretextos para boas companhias. Catherine Zeta-Jones, a nova peça do tabuleiro, funciona como a única personagem que leva o filme a sério, e talvez por isso seja a menos divertida.

O que torna ”Doze Homens e Outro Segredo” fascinante não é o enredo, mas o olhar que ele lança sobre si mesmo. Soderbergh transforma o gênero do “filme de assalto” em uma performance sobre o próprio cinema: a montagem é irregular de propósito, a cronologia é sabotada, e as reviravoltas são mais piadas internas do que surpresas genuínas. Há uma inteligência oculta nesse caos aparente, uma espécie de anti-heist movie, em que o verdadeiro golpe é contra a expectativa do espectador. O que se rouba aqui não é dinheiro, mas o sentido da narrativa clássica.

E é justamente aí que o filme se revela mais ousado do que parece: ao ridicularizar sua própria grandiosidade, ele se aproxima de uma arte pós-moderna sem culpa, uma comédia que debocha da própria ideia de coerência. É possível sair da sessão sem lembrar exatamente o que foi roubado, mas lembrar com nitidez o sorriso de Clooney, o tédio elegante de Pitt, o tom âmbar das ruas europeias. O filme opera como uma lembrança de férias que não queremos analisar demais, porque a análise destruiria o encanto.

“Doze Homens e Outro Segredo” não quer ser melhor que seu antecessor; quer ser mais livre. E, de certo modo, consegue. Ele é uma farsa vestida de luxo, um exercício de estilo que prefere o charme à lógica, e talvez seja isso que o torna tão irresistível. A verdadeira esperteza está em perceber que, entre o planejamento e o improviso, o cinema é sempre um golpe bem aplicado: aquele que faz o espectador acreditar que está entendendo o que acontece, quando na verdade está apenas se deixando seduzir.

Filme: Doze Homens e Outro Segredo
Diretor: Steven Soderbergh
Ano: 2004
Gênero: Crime/Suspense
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★