O relacionamento entre pais e filhos é terreno fértil para histórias as mais complexas. Gerar e educar uma criança nunca foi fácil — algo que muita gente descobre tarde demais —, porém há que se reconhecer que, de uns tempos para cá, o tal mal-estar da civilização instalou-se também junto às famílias, antes basicamente refúgio e hoje espaço de desacordo e atrito. Demandas do mundo pós-moderno infiltram-se nos lares, substituindo o diálogo pela cobrança e o afeto pela competição. As neuroses do dia a dia são apenas o reflexo de uma imaturidade patológica, que tolhe qualquer chance de amor. De forma tardia, Wayne Stobierski deu-se conta de que tem agido mal e precisa mudar. Wayne, o bêbado inveterado que enfurece e comove o público em “A Viagem de Nossas Vidas”, é um homem em busca de recuperação. O diretor Niels Mueller capta os silêncios e os arroubos de seu protagonista de modo a convencer sobre sua instabilidade, mas traz à superfície também sua porção oculta, de um melancólico incurável que contamina de desalento tudo ao redor. Até tomar um grande susto.
Não há nenhuma tragédia irremediável no texto de Jason Naczek, mas a possibilidade de ficar sem o filho é como a morte para Wayne. Acostumado a perder, esse bishopiano inconsciente considera um golpe duro, sobremaneira insuportável, a decisão inesperada da ex-mulher, Deidra, de transferir-se com Stu, o novo marido, de Wisconsin, no extremo nordeste dos Estados Unidos, para Phoenix, Arizona, no centro-oeste americano, visando a oferecer um futuro menos ordinário para Tyler. O Wisconsin não é só um quadro na parede para Wayne e sua família original, mas de qualquer forma dói. Assim mesmo, ele guarda boas lembranças da casa na qual crescera, agora hipotecada pelo banco. No primeiro ato, Mueller esmera-se em fazer um registro minucioso da relação de sua dupla de personagens centrais, iluminando devagar os labéus de Wayne. Pouco antes de levar seu garoto para passar o fim de semana com ele no pardieiro que chama de casa, ele lava a roupa suja com Deidra, numa das muitas boas cenas. David Sullivan vai mostrando o quão complexo o protagonista é, ajudado por colegas de fino talento como Tanya Fischer.
Como talvez fiquem uma eternidade sem se verem, Wayne decide levar Tyler para o jogo dos Brewers, o time de beisebol pelo qual poderia dar um braço, depois de vender sua coleção de cartões estampados com os atletas mais queridos desse esporte. Com o dinheiro, ele compra os ingressos e pretende pagar por um quarto num hotel de luxo de Milwaukee, mas seus planos não resistem a um elementar choque de realidade. Esse é o gancho de que vale-se o diretor para incluir na trama Alicia, uma adorável irmã mais velha, que os recebe e aproveita para dar o ombro (e uns puxões de orelha) no vitimista profissional. Mueller costura esse novo subenredo com técnica e uma dose generosa de sensibilidade, e a exemplo do que acontece com Fischer na abertura, Kristen Johnston amplia o horizonte do longa, confirmando a promessa. Em “A Viagem de Nossas Vidas”, o alcoolismo é visto como a chaga poderosa que é, mas sem o menor laivo de sensacionalismo. Mueller recorre a ele a fim de chegar a assuntos universais, como a tolstoiana infelicidade das famílias e sua natureza singular, desviando de estereótipos e sem concessões. Só por isso já valeriam os 105 minutos — e por Cooper J. Friedman, claro. Tyler lembra Olive Hoover, a pequena Miss Sunshine de Abigail Breslin no filme homônimo dirigido por Jonathan Dayton e Valerie Faris em 2006, forçado a lidar com os tantos dissabores do existir em tenra idade. Um dia ele até agradeça por ter tido esse pai tão humanamente imperfeito.
★★★★★★★★★★