A história de amor mais bonita do século 21 está na Netflix e vai lavar sua alma John P. Johnson / Summit Entertainment

A história de amor mais bonita do século 21 está na Netflix e vai lavar sua alma

Uma jovem em viagem à Itália encontra uma tradição local de responder mensagens deixadas a uma figura literária e, tocada por uma correspondência esquecida, decide ajudar a remetente a reencontrar um amor que ficou para trás. A partir desse gesto, desenvolve-se uma jornada por estradas rurais e pequenas localidades, com paradas que revelam nomes, endereços e lembranças. A dinâmica entre curiosidade, memória e cautela guia as conversas, enquanto desacordos cordiais dão movimento às relações. Em “Cartas para Julieta”, a paisagem serve de companhia para personagens que medem riscos e desejos diante da passagem do tempo.

O elenco reúne Amanda Seyfried como a viajante que busca afirmar a própria voz, Vanessa Redgrave como a inglesa que retorna para rever uma decisão antiga, Christopher Egan como o neto desconfiado e Gael García Bernal como o noivo ocupado com projetos pessoais. A direção é de Gary Winick. O roteiro tem inspiração no livro de não ficção “Letters to Juliet: Celebrating Shakespeare’s Greatest Heroine, the Magical City of Verona, and the Power of Love”, de Lise Friedman e Ceil Friedman, que relata a prática veronesa de responder cartas enviadas a uma heroína de Shakespeare. O filme, lançado em 2010, adapta essa referência ao formato de comédia romântica com estradas, encontros e trocas afetuosas.

Seyfried compõe a protagonista com curiosidade constante e atenção aos detalhes, reforçando a imagem de alguém que aprende fazendo perguntas. Essa disposição a escutar sustenta a ponte com a personagem de Redgrave, cuja presença serena comunica experiência e firmeza. Quando Claire decide revisitar o passado, a encenação favorece gestos discretos, como o modo de olhar e o cuidado com as palavras, sinais de uma personalidade que não se define por impulsos. Christopher Egan trabalha a reserva emocional do neto, que prefere frases cortantes a concessões, mas admite mudanças graduais à medida que convive com a viajante. Gael García Bernal interpreta um chef empreendedor, dedicado a contatos e ingredientes, personagem que ilustra como atenção excessiva ao próprio cronograma pode afastar parceiros em momentos de transição afetiva.

Winick conduz a história com leveza visual. A fotografia destaca dias claros, muros de pedra e vinhedos, servindo de moldura reconhecível sem competir com os intérpretes. O desenho sonoro respeita diálogos e pausas, com música que sublinha hesitações e pequenos avanços. O ritmo evita correria, apostando no prazer da companhia e na observação das diferenças geracionais. As piadas nascem de contrastes de temperamento, sem humilhação e sem apelo ao exagero, o que combina com a proposta de acompanhar pessoas que redescobrem modos de conversar.

O roteiro dá valor ao procedimento de busca. O trio consulta pistas, revisa listas e compara informações, e a cada parada ajusta expectativas. Esse formato favorece a presença de Redgrave, que guia a dupla mais jovem enquanto calcula custos e benefícios de uma decisão tomada após décadas. Entre uma visita e outra, Sophie e Charlie avançam por meio de atritos verbais leves e confidências controladas, ritmo que preserva espaço para amizade antes de qualquer salto romântico. Em alguns momentos aparecem tropeços artificiais, como mal-entendidos que parecem postergar um acerto já anunciado, mas a trama retorna à lógica inicial de cuidado e responsabilidade, mantendo o eixo em escolhas que evitam ferir quem está por perto sem motivo.

Há interesse específico no tratamento do trabalho. A protagonista não escreve por iluminação repentina, e sim por investigação e reescrita, comportamento que aproxima a fantasia amorosa da prática cotidiana. A tradição veronesa tampouco é folclore vazio: trata-se de um serviço voluntário com atenção aos relatos recebidos, o que confere peso às respostas. Ao aderir a esse entendimento, a personagem de Seyfried expande o arco profissional e pessoal, conectando curiosidade jornalística e lealdade a quem confia uma história em poucas linhas.

O desenho dos cenários reforça contrastes sem recorrer a truques chamativos. Restaurantes, praças e estradas funcionam como pontos de parada, sempre a serviço do convívio entre pessoas. Não há pressa em transformar cada locação em destino turístico; a câmera observa o suficiente para situar o espectador e segue com os intérpretes. Essa sobriedade visual realça movimentos de escuta e reconsideração, postura que reaparece quando os personagens recalculam rotas após uma conversa honesta.

A aparição de Franco Nero como possível elo afetivo acrescenta um dado curioso para quem conhece sua história com Vanessa Redgrave, mas o filme não depende desse conhecimento. O reencontro em potencial ganha tempo para respirar, sem pirotecnia, favorecendo a leitura de rostos e a tonalidade das falas. O interesse dramático nasce da pergunta sobre quanto do passado pode ser atualizado sem trair quem cada um se tornou, ponto que sustenta as cenas finais antes de qualquer resolução.

Entre as escolhas adotadas, “Cartas para Julieta” abraça um romantismo que reconhece dúvidas e a passagem do tempo. A ênfase recai sobre alternativas abertas por decisões calmas, longe do espetáculo de grandes declarações. Cartas, listas e mapas dão matéria concreta a uma busca que depende de paciência e capacidade de ouvir. Essa chave estimula o público a considerar a utilidade de uma resposta escrita com cuidado, mesmo quando não se sabe o desfecho.

“Cartas para Julieta” permanece como registro de um tipo de romance filmado que se apoia em intérpretes experientes, paisagens luminosas e atenção à passagem do tempo. A combinação de Redgrave, Seyfried, Egan e García Bernal oferece contrastes geracionais compreensíveis, enquanto a direção de Gary Winick mantém a atenção no que se diz, no que se cala e no que ainda pode acontecer. A pergunta que fica aponta para aquilo que move a viagem: quantas histórias repousam esperando uma carta que mude o curso de quem decide responder.

Filme: Cartas para Julieta
Diretor: Gary Winick
Ano: 2010
Gênero: Comédia/Romance
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★