Considerada a melhor atuação da carreira de Al Pacino, um dos filmes mais icônicos do cinema está na Netflix Divulgação / Universal Pictures

Considerada a melhor atuação da carreira de Al Pacino, um dos filmes mais icônicos do cinema está na Netflix

Há interpretações que redefinem o sentido de um ator dentro do cinema, e a de Al Pacino em “Perfume de Mulher” faz parte desse território singular. O Oscar que ele recebeu por esse papel não foi apenas o reconhecimento de uma carreira, mas a consagração de uma entrega emocional que transcende qualquer limite técnico. Frank Slade, o coronel cego que vive entre o sarcasmo e o desespero, é uma figura moldada na fúria e na solidão, mas iluminada por lampejos de ternura e lucidez que o próprio Pacino faz emergir como quem acende uma chama em meio à escuridão. A intensidade dessa atuação não é performática; é uma forma de existir em cena, explosiva, vulnerável, brutalmente humana.

O filme, dirigido por Martin Brest, é construído como um duelo entre dois mundos: o de Slade, impregnado de cinismo e autodestruição, e o de Charlie, o jovem estudante que carrega uma pureza que ainda resiste à corrosão do mundo adulto. A viagem que ambos empreendem, literal e simbólica, não é apenas um deslocamento geográfico, mas um mergulho nas fronteiras da moralidade e da redenção. Se a trama parece previsível em seus contornos narrativos, é porque o essencial não está no roteiro, mas na forma como Pacino transforma cada diálogo em campo de batalha. Sua voz, ora trovejante, ora quase um sussurro fatigado, conduz a história com a mesma força de um general que ainda acredita comandar um exército invisível.

Há algo de paradoxal em Slade: ele enxerga o mundo com mais clareza do que aqueles que têm visão perfeita, mas essa lucidez o destrói. Sua cegueira física é menos limitadora que a cegueira moral e afetiva de quem o cerca. Pacino encarna esse homem como um sobrevivente do próprio ego, alguém que se move entre o orgulho e a necessidade desesperada de ser compreendido. A cada explosão verbal, há um pedido silencioso por conexão. Quando ele dança o tango, talvez a cena mais icônica do filme, a música se torna a única linguagem possível entre o homem e o abismo que o habita. É um momento em que a técnica desaparece e o gesto puro revela uma humanidade dilacerada.

A força de “Perfume de Mulher” está na maneira como Brest equilibra a retórica emocional de Hollywood com uma melancolia quase europeia. O filme é, de certo modo, uma elegia ao desencanto. A narrativa judicial que o encerra, com o famoso discurso de Slade em defesa de Charlie, não busca apenas um clímax moral, mas a redenção de um homem que por um instante volta a acreditar na integridade, não porque o mundo o convenceu, mas porque ele finalmente aceita a própria fragilidade. Pacino não interpreta esse momento; ele o atravessa. Cada palavra dita é uma tentativa de respirar dentro de um corpo que já se habituou à asfixia.

O que torna essa atuação inesquecível é justamente o desequilíbrio controlado que Pacino domina como poucos. Ele é excessivo, teatral, quase insano, e, no entanto, há método em cada fúria. Seu Slade não pede piedade, exige respeito. Ele não quer ser curado, quer ser ouvido. É um personagem que carrega o peso dos que nunca encontraram um lugar no mundo, e que por isso transformam o orgulho em escudo. A cegueira, aqui, é metáfora e ferida: uma forma de olhar para dentro sem suportar o reflexo.

“Perfume de Mulher” pode não ser perfeito em termos narrativos, há momentos em que o roteiro cede à tentação do melodrama, mas sua imperfeição é justamente o que o torna inesquecível. É um filme que vive das contradições que o habitam: entre o riso e a dor, a raiva e o afeto, a autodestruição e o desejo de redenção. Quando Pacino solta o emblemático “Hoo ha!”, o grito ecoa menos como um bordão e mais como a liberação de tudo o que o personagem reprimiu por anos. É o som de alguém que finalmente se permite existir, por um instante, livre da sombra que o persegue. E é nesse instante que o cinema toca o que há de mais essencial no ser humano: a busca por dignidade em meio ao caos.

Filme: Perfume de Mulher
Diretor: Martin Brest
Ano: 1992
Gênero: Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Fernando Machado

Fernando Machado é jornalista e cinéfilo, com atuação voltada para conteúdo otimizado, Google Discover, SEO técnico e performance editorial. Na Cantuária Sites, integra a frente de projetos que cruzam linguagem de alta qualidade com alcance orgânico real.