O que começa como uma sequência inesperada de brigas e pequenas provocações entre duas gerações rapidamente se revela como um estudo sutil e rigoroso sobre laços familiares e a complexidade de escolhas individuais. “Aprendendo com a Vovó” desloca a narrativa para um território que raramente aparece em filmes de humor contemporâneo, especialmente aqueles dirigidos por Paul Weitz, conhecido por projetos mais leves ou com tom de comédia romântica. O trunfo do filme é a colisão entre o passado e o presente, entre a rebeldia de uma jovem adulta e a amargura de uma idosa que, apesar da experiência acumulada, permanece irredutivelmente humana em suas falhas.
O ponto central da trama se materializa na figura de Elle, interpretada por Lily Tomlin, que quebra qualquer expectativa preconcebida sobre a “vovó tradicional”. Ela é irônica, áspera e, em muitas passagens, ofensiva, uma personagem que provoca desconforto e risadas simultaneamente. A narrativa se inicia com o término abrupto de um relacionamento amoroso de Elle, estabelecendo uma dinâmica em que vulnerabilidade e resistência se entrelaçam. Essa abertura não é apenas um dispositivo de choque; funciona como sinal de que estamos diante de uma protagonista que desafia convenções, uma voz que recusa qualquer simplificação sentimental.
A chegada de Sage, papel de Julia Garner, cria o motor narrativo do filme. O pedido de ajuda financeira para um aborto não serve apenas como catalisador do enredo, mas revela a construção das relações familiares: Elle é incapaz de fornecer imediatamente os recursos, mas oferece presença e ação. A viagem improvisada em busca de dinheiro torna-se um roteiro de revisitação de memórias, em que cada encontro ilumina fragmentos do passado de Elle. Paul Weitz estrutura o filme em seis segmentos: Endings, Ink, Apes, The Ogre, Kids, Dragonflies, que funcionam como cápsulas de reflexão, mostrando como experiências antigas moldam escolhas contemporâneas. A sequência de encontros com figuras do passado: ex-marido, filha, antigos amigos, oferece uma leitura aguda sobre arrependimento, perdão e a persistência da memória afetiva.
O elenco de apoio contribui decisivamente para o equilíbrio do filme. Sam Elliott entrega uma performance surpreendentemente contida, dando densidade emocional a um personagem que poderia facilmente se tornar caricatural. Marcia Gay Harden interpreta uma filha rígida e profissional, cuja presença evidencia a tensão entre responsabilidade e afeto, enquanto Laverne Cox acrescenta uma dimensão de modernidade e inclusão sem recorrer a estereótipos. A presença da já falecida Elizabeth Peña confere um tom nostálgico e, ao mesmo tempo, humano à trama, lembrando que cada memória carrega traços de permanência e perda.
O filme consegue navegar com elegância entre humor e reflexão sem ceder a didatismos. A decisão de Sage é tratada com naturalidade, evitando polarizações ou moralismos simplistas, o que se distancia de comparações automáticas com produções como Juno. A abordagem de Weitz sugere que a narrativa familiar contemporânea não precisa ser suavizada para ser compreendida; pelo contrário, é a franqueza das relações que confere autenticidade à história.
Tecnicamente, o longa utiliza espaços e objetos cotidianos para materializar camadas psicológicas. A própria jornada no carro de Elle, uma Dodge Royal 1955, funciona como metáfora para a travessia de memórias e conflitos, aproximando o espectador da intimidade das personagens. Cada parada, cada diálogo interrompido, cada gesto conta uma história não verbalizada, consolidando a sensação de que estamos diante de uma análise complexa de relações humanas, onde humor e melancolia coexistem sem necessidade de justaposição forçada.
No coração de “Aprendendo com a Vovó” está a interpretação de Tomlin, que transforma a experiência da idade avançada em uma linguagem narrativa nova. Ela consegue ser simultaneamente brutal, engraçada, vulnerável e implacável, mostrando que a vida não se submete a simplificações. Julia Garner, em contraste, constrói uma personagem mais contida, cuja força surge da observação e da capacidade de absorver os desvarios da avó sem perder a própria voz. Essa interação gera uma tensão narrativa riquíssima, revelando como gerações diferentes compartilham dores, erros e descobertas, mesmo quando as perspectivas colidem.
“Aprendendo com a Vovó” reflete sobre autonomia feminina, responsabilidade compartilhada e os elos que persistem mesmo em meio ao caos emocional. O roteiro de Weitz evita clichês ao apresentar personagens completos, cada um com contradições que tornam a trama convincente e profundamente humana. O filme não dá respostas mastigadas, incentiva a reflexão de expectativas sobre família, envelhecimento e solidariedade intergeracional.
O filme impacta pela combinação de roteiro preciso, elenco afinado e direção sensível. “Aprendendo com a Vovó” não é apenas uma comédia dramática; é uma exploração sofisticada do cotidiano e das memórias que carregamos, capaz de provocar riso, desconforto e reflexão em igual medida. Para quem valoriza atuações densas e histórias que desafiam a previsibilidade emocional, este filme se estabelece como uma referência contemporânea rara dentro do cinema norte-americano.
★★★★★★★★★★