Do Oscar à Netflix: o filme de Christopher Nolan que tira o fôlego Divulgação / Warner Bros.

Do Oscar à Netflix: o filme de Christopher Nolan que tira o fôlego

A trama acompanha um agente recrutado para impedir uma catástrofe ligada a armas de natureza temporal, num contexto de espionagem internacional e alianças instáveis. Em “Tenet”, operações, contatos e investigações passam a responder a regras pouco familiares, o que transforma cada missão num cálculo de riscos em duas direções, enquanto o protagonista aprende a lidar com objetos e pessoas que não obedecem à sequência comum de causa e efeito.

O filme é dirigido por Christopher Nolan e conta com John David Washington, Robert Pattinson, Elizabeth Debicki e Kenneth Branagh nos papéis centrais. A produção não adapta um livro e apresenta uma história original que cruza espionagem, ação e especulação científica. A presença de Washington dá ao protagonista um corpo de ação atento a detalhes, enquanto Pattinson atua como parceiro que domina aspectos técnicos e estratégicos de um cenário que ainda se revela. Debicki assume o eixo emocional ligado a um relacionamento abusivo e a uma tentativa de retomar autonomia, e Branagh encarna o antagonista cuja ambição se converte em ameaça global.

O enredo avança por etapas que alternam reconhecimento de regras e aplicação prática. Primeiro, o agente toma contato com a noção de inversão de entropia, que permite a objetos e pessoas se moverem pela linha do tempo em sentido contrário ao nosso. Em seguida, passa a executar missões que testam esse conhecimento em contextos urbanos e logísticos variados, sempre sob a sensação de que alguém já esteve ali, só que em ordem inversa. Essa dinâmica cria uma tensão particular: o público percebe indícios de acontecimentos que ainda não ocorreram na linha direta, o que transforma ambientes em mapas de possibilidades. Não se trata de rebobinar a vida, mas de conviver com correntes que correm em sentidos diferentes na mesma água.

A forma como Nolan conduz a ação privilegia clareza espacial e impacto físico, com ênfase em filmagens de grandes proporções e efeitos práticos. Isso não exclui passagens de exposição técnica, especialmente quando personagens precisam explicar limites e protocolos da inversão. Em alguns trechos, a quantidade de informações pode soar densa, mas o filme compensa essa concentração por meio de cenas que demonstram a lógica na prática, permitindo comparação entre o que se ouve e o que se vê. A montagem de Jennifer Lame mantém linhas temporais legíveis, enquanto a partitura de Ludwig Göransson reforça a sensação de pressão constante.

Hoyte van Hoytema, na direção de fotografia, trabalha com formatos que valorizam textura e dimensão, favorecendo a percepção de velocidade e direção do movimento. As mudanças de fluxo temporal ganham materialidade em pequenas pistas de luz, fumaça, poeira e reflexos, que denunciam a inversão sem depender de truques digitais evidentes. O desenho de som acentua riscos e a sensação de desajuste, com sobreposições de som industriais, batidas e respirações que ora se aproximam, ora parecem contrariar o passo natural. Há momentos em que diálogos ficam menos nítidos do que o habitual, o que pode incomodar parte do público; ainda assim, o ambiente sonoro sustenta a ideia de um mundo pressionado por forças que não obedecem à ordem comum.

No campo interpretativo, Washington reforça a figura de um profissional que aprende durante a ação, não um herói infalível. O carisma aparece nos intervalos de observação, quando a personagem precisa escolher entre insistir na intuição ou confiar em regras novas. Pattinson oferece a contrapartida de quem já caminhou alguns passos adiante e guarda informações por razões estratégicas. Debicki compõe uma mulher que lida com controle e ameaça íntima, sem que seu arco reduza a trama a mero resgate. Branagh evita sutilezas em certos momentos, mas traduz com nitidez um tipo de poder que se alimenta de controle absoluto e chantagem.

Do ponto de vista temático, “Tenet” trata de responsabilidade, confiança e custo das decisões quando efeitos e causas se desencontram. O filme sugere que o livre-arbítrio continua a existir mesmo quando a linha do tempo parece pré-determinada, porque alguém ainda precisa optar por abrir uma porta, recuperar um objeto ou evitar um contato. Essa leitura desloca a obra do território puramente matemático para um campo moral: quem sabe mais tem deveres maiores; quem se move contra a corrente assume riscos que talvez ninguém mais possa assumir. O jogo de espionagem, nesse sentido, funciona como metáfora para disputas tecnológicas e políticas que não admitem publicidade.

Entre elogios e ressalvas, vale registrar que a figura do vilão milionário com ambição global já é conhecida do público. A novidade está menos na motivação e mais na maneira como o roteiro conecta essa ambição a mecanismos temporais e às respostas que tentam contê-la. Mesmo quando a ameaça parece grandiloquente, a narrativa volta à dimensão humana em escolhas simples: confiar, mentir, atrasar, avançar, proteger. Essa alternância mantém a atenção nas consequências diretas para personagens concretos, sem que a trama perca o impacto das ideias mais radicais.

“Tenet” não busca romantizar o controle sobre o tempo. Ao contrário, registra o preço de agir quando ainda não se sabe tudo. A investigação se constrói por tentativas, recuos e repetições que, em retrospecto, formam um desenho inteligível. O público acompanha essa curva de aprendizagem com acesso a sinais suficientes para não se perder, desde que aceite a regra central: o que parece impossível pode estar acontecendo em outra direção, no mesmo minuto. O filme propõe, assim, uma experiência em que a atenção é moeda, a paciência rende dividendos e a curiosidade se converte em ferramenta.

A produção retoma preocupações recorrentes na filmografia de Nolan, mas evita a impressão de repetição ao aplicar uma premissa nova em cenário de espionagem contemporânea. A aposta em efeitos práticos e em coordenação física de cenas reforça a sensação de risco real, enquanto a trilha e o desenho de som moldam a percepção de tempo como adversário. Sem anunciar soluções definitivas, a narrativa encerra deixando aberta a ideia de que certos conflitos continuam em cursos paralelos, à espera de novas interferências. O mundo mostrado no filme permanece em movimento, o que implica revisões constantes de alianças, planos e memórias.

Filme: Tenet
Diretor: Christopher Nolan
Ano: 2020
Gênero: Ação/Ficção Científica/Thriller
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★