Sabe um daqueles filmes que vão te fazer suspirar? Ele existe — e está no Prime Video Divulgação / HBO Max

Sabe um daqueles filmes que vão te fazer suspirar? Ele existe — e está no Prime Video

Em Nova York, dois casais tentam ajustar amor, sexo e trabalho enquanto cada um lida com desejos e inseguranças que insistem em reaparecer. Uma atriz de sucesso volta para casa depois de longas jornadas de ensaio; o marido, que assumiu mais tarefas domésticas, questiona a própria autoestima e a fidelidade; o irmão da atriz evita decisões duradouras; a namorada dele procura estabilidade e futuro. Essa configuração, comum e reconhecível, ganha contornos de comédia contemporânea em “Totalmente Apaixonados”, dirigido por Bart Freundlich e estrelado por David Duchovny, Julianne Moore, Billy Crudup e Maggie Gyllenhaal, com participações de Eva Mendes, Garry Shandling e Ellen Barkin.

O filme acompanha pequenas crises com olhar de proximidade e senso de humor. A atriz, interpretada por Julianne Moore, trabalha sob pressão, divide atenção entre carreira e vida doméstica e tenta proteger a relação de desgastes que se acumulam em silêncio. Tom, vivido por David Duchovny, oscila entre a vontade de ser melhor parceiro e impulsos que prejudicam a confiança, algo que o personagem encara com certo autoengano e tentativas de correção. No outro eixo, Billy Crudup encarna um sujeito que adia conversas difíceis, enquanto Maggie Gyllenhaal apresenta uma escritora em formação que deseja transformar anos de namoro em um projeto de vida compartilhada. A cidade aparece como extensão das dúvidas: cafés, parques e consultórios funcionam como espaços de conversa, confronto e fuga, sempre com o relógio do cotidiano batendo forte.

Freundlich prefere o registro de observação a grandes gestos dramáticos. As discussões partem de situações plausíveis, marcadas por pequenos equívocos, mal-entendidos e piadas que aliviam a tensão sem encobrir os problemas. A montagem favorece a alternância entre os dois casais, e o ritmo privilegia o vaivém de encontros e separações temporárias. Quando a câmera se aproxima dos rostos, ressalta-se a sensação de intimidade; quando recua, preserva a dinâmica da cidade que não para. Não há pressa em buscar soluções definitivas, e sim o interesse em mostrar como cada personagem negocia limites e tenta desenhar novas regras para seguir junto.

O elenco sustenta a proposta com atuações que equilibram graça e falha humana. Julianne Moore evita a pose e deixa escapar fissuras em gestos pequenos, como olhares que desviam ou respirações suspensas antes de uma resposta. David Duchovny administra o humor e o incômodo, compondo um homem dividido entre afeto sincero e hábitos que não desaparecem com boa vontade. Billy Crudup encarna o medo de compromisso sem recorrer a caricatura, enquanto Maggie Gyllenhaal dá corpo à ambição profissional e ao desejo de estabilidade, preservando a capacidade de rir de si mesma. Eva Mendes aparece como presença que provoca novas decisões, Garry Shandling tempera a figura do terapeuta com ironia discreta, e Ellen Barkin vive Norah, editora que se interessa por Elaine e simboliza pressões e seduções do mercado editorial.

A graça do filme está em como os diálogos revelam dilemas contemporâneos sem transformar os personagens em porta-vozes de tese. As conversas sobre confiança, desejo e rotina aparecem com pausas, interrupções e desvios, como na vida real, e a comédia nasce de constrangimentos reconhecíveis. Em vez de discursos grandiloquentes, aparecem pequenos atos de coragem: assumir uma recaída, admitir que a carreira mudou prioridades, reconhecer um medo antigo. Essas passagens ajudam a manter o interesse mesmo quando algumas soluções parecem fáceis demais para conflitos que se insinuam mais fundos.

Nem tudo funciona com a mesma força. Certos ganchos românticos recorrem a coincidências que soam convenientes demais, e o terceiro ato escolhe atalhos típicos do gênero, com declarações públicas e reconciliações aceleradas. A fotografia limpa e o desenho dos ambientes favorecem a sensação de leveza, mas, em alguns momentos, suavizam excessivamente a aspereza dos impasses. A trilha musical acompanha com discrição e evita sublinhar emoções, enquanto a edição privilegia fluidez, às vezes à custa de silêncios que poderiam aprofundar os desconfortos. Esses movimentos não anulam o efeito de identificação, mas reduzem a possibilidade de uma ferida mais exposta.

Ainda assim, “Totalmente Apaixonados” se mantém atento a um ponto relevante: relações de longo prazo pedem novas conversas a cada fase de vida. A personagem de Moore mede a própria ambição com o desejo de preservar a família, Tom tenta reprogramar comportamentos que comprometem o vínculo, Tobey precisa decidir se aceita crescer junto ou permanece em uma adolescência tardia, Elaine exige reciprocidade sem abrir mão do projeto autoral. O filme acompanha esse jogo de forças afetivas com interesse, prefere a conversa ao castigo e admite que recaídas fazem parte do percurso, mesmo quando frustram promessas.

Outra qualidade está no humor, que não depende de escárnio. As piadas nascem de diferenças de temperamento e da dificuldade em ouvir o outro. Quando um personagem tenta resolver tudo com frases prontas e boa intenção, outro devolve com um comentário que desarma, e a cena avança sem humilhar ninguém. Essa postura contribui para que o público reconheça defeitos e virtudes sem sentir que alguém foi escolhido como vilão da história. A ideia de que o amor adulto combina carinho e disciplina aparece mais nítida quando a narrativa dá espaço a conselhos terapêuticos, hábitos domésticos e pequenas gentilezas que voltam a fazer sentido.

“Totalmente Apaixonados” aposta em atores carismáticos, ambientação urbana e conflitos íntimos que dispensam grandes pirotecnias. Ao evitar simplificações excessivas, mesmo quando recorre a atalhos, o filme preserva uma dose de credibilidade nos afetos que circulam entre os quatro protagonistas. A sensação final não é a de transformação radical, e sim a de ajustes possíveis quando há disposição para negociar tempo, desejo e responsabilidade. Para alguns, isso basta para uma sessão leve e reconhecível; para outros, pode ficar a impressão de que certas escolhas pediam consequências mais duras, questão que continuará ecoando nas conversas depois da projeção.

Filme: Totalmente Apaixonados
Diretor: Bart Freundlich
Ano: 2005
Gênero: Comédia/Drama/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★