Entre o sonho de transformar o mundo e a dura realidade das renúncias que isso exige nasce um conflito: até que ponto vale perder-se na defesa de uma ideia? O sacrifício pessoal em nome de uma boa causa pode ser visto como um gesto de nobreza, mas sempre paga-se um preço alto demais por se querer uma vida menos ordinária. Em dadas circunstâncias, idealistas morrem por seus princípios e suas crenças, mas também alimentam os vermes longe de despertar o menor laivo de compaixão por suas utopias goradas. É tênue a linha que separa heroísmo e quimera, como se assiste em “Um Fantasma na Batalha”. Resta óbvia no filme do espanhol Agustín Díaz Yanes a vontade de manter acesa uma chama de altruísmo em meio à insanidade que grassa em todo lugar, ainda que os métodos pelos quais tenta-se chegar ao paraíso na Terra impliquem violência e derramamento de sangue. O diretor-roteirista relê um capítulo doloroso da história de seu país com ambições que extrapolam a arte dramática, escolha capaz de açular paixões de naturezas diversas.
Em dezessete anos, entre 1958, quando foi fundado, e 1975, o ETA matou 44 pessoas. Durante os anos 1980, com o processo de redemocratização que se seguiu ao governo do ditador Francisco Franco (1892-1975), o grupo fez quatrocentas vítimas em atentados em cafés e shoppings. Essa escalada do potencial destrutivo da facção, após uma dissidência em que parte dos membros optou por não abandonar as armas, tomou proporções incontroláveis, principalmente pelo extremismo romântico desses guerrilheiros, certos de que num futuro próximo alcançariam sua utopia. Eles perseguem o sonho de um País Basco independente da Espanha, e para isso estão dispostos a tudo. Órfã de pai e mãe desde os dezesseis anos e formada em filologia, Amaya Mateos Gines muda de nome e aceita infiltrar-se junto aos simpatizantes do que sobrou do ETA, um exército menor, mas também ruinoso, na esteira do assassinato de Gregorio Ordóñez (1958-1995), presidente do Partido Popular Espanhol na Comunidade Autônoma. Yanes elabora comentários políticos com sutileza, introduzindo o público mais jovem nos doze anos de terror que vieram. De 1992 a 2004, o atávico espectro de Franco parece ter encarnado em seus algozes, provocando uma tirania com sinal trocado.
Misturando medo e coragem, a performance de Susana Abaitua conserva o filme quente. Abaitua esmera-se em cada fala, conferindo veracidade a uma história que poderia mesmo ter sido real. O elenco de apoio, encabeçado por Raúl Arévalo e Andrés Gertrúdix, sublinha a ideia da espionagem e a morte de inocentes como expedientes políticos que vieram para ficar e cujo combate não pode arrefecer nunca.
★★★★★★★★★★