“Godzilla”, a série de ficção científica inaugurada por Ishirō Honda (1911-1993) em 1954 segue com força, capitaneada por um organismo colossal, impiedoso, cheio de vontades e assumidamente grotesco, que deixa o oceano Pacífico para atormentar um batalhão de soldados pouco antes do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Não se veem muitas diferenças entre o “King Kong vs. Godzilla” (1962) original, dirigido pelo próprio Honda, e o trabalho de Adam Wingard em “Godzilla vs. Kong”, a não ser, claro, as invenciones tecnológicas a que o diretor recorre para capturar a atenção das plateias do século 21. Mais um produto na galeria dos 36 filmes anteriores protagonizados pelo lagarto titânico, esse kaiju, dos mais aclamados pela cultura pop, é uma boa tentativa de Wingard quanto a abordar temas atuais mantendo o personagem em evidência, ainda que note-se aqui e ali o andamento farsesco da história. Ostentoso, o roteiro de Max Borenstein e Eric Pearson, a partir do argumento de Michael Dougherty, Terry Rossio e Zach Shields, puxa a sardinha para o escamoso, mas não deixa de contemplar a outra criatura monstruosa do título, tão assustadora quanto limitada por clichês.
Godzilla já esteve sob a mira do alferes Koichi Shikishima, um ex-kamikaze que volta ileso da guerra, e, uma vez mais, ele perde a chance de tornar-se o salvador que a nação espera que seja. Agora, quem chega para colocar um pouco mais de lenha na fogueira é King Kong — ele, inclusive, é quem abre o prólogo, movendo-se por pradarias sem fim ao passo que se esforça para escapar da ofensiva de bichos que lembram imensos lobos —, até que Wingard comece a situar o público a respeito do Projeto Monarca elaborado por Ilene Andrews, a antropóloga vivida por Rebecca Hall aqui e em “Godzilla e Kong: O Novo Império” (2024), também a cargo do diretor. Sem nenhuma surpresa, “Godzilla vs. Kong” é muito mais divertido do que sua sequência (e, não obstante, Hollywood não se cansa dos repetecos), e as criaturas que habitavam a Terra Oca desde o Big Bang que extinguiu os dinossauros, seus contemporâneos, voltaram à litosfera. Os vilões paridos pela DC Comics ou os do Universo Cinematográfico Marvel são uma inspiração óbvia para o Monsterverso, porém Wingard tem uma carta na manga.
King Kong precisa exilar-se da Ilha da Caveira e é transferido para um centro de pesquisa onde continua a ser estudado pela doutora Andrews e a receber os mimos de Jia, sua filha adotiva surda-muda. Os momentos mais tocantes vêm à luz com a personagem de Kaylee Hottle, talvez a única a manifestar pelo Rei dos Primatas alguma empatia sincera, e não somente por estarem os aprisionados num mundo bastante particular de estranhamento. Os executivos da Apex Cybernetics em Pensacola, Flórida, animam-se com a possibilidade de tirar algum proveito da aparição de King Kong, e Mark Russell, o cientista-responsável do laboratório, é designado para acompanhar todas as atividades em torno do bicho. O que verdadeiramente importa em “Godzilla vs. Kong” acontece nas entrelinhas; é aí que pode-se entender a gigantesca solidão dos seres humanos que compõem a história, a exemplo do que se dá com Madison, a filha de Russell interpretada por Millie Bobby Brown, e achar plausível a aproximação do Macacão e de Gojira, inimigos figadais que viram parceiros por terem a certeza, ainda que meramente intuitiva, de que são as vítimas nesse enredo.
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