No Prime Video, um filme sobre amadurecimento e solidão: crescer é aceitar o que não volta Divulgação / Metro-Goldwyn-Mayer

No Prime Video, um filme sobre amadurecimento e solidão: crescer é aceitar o que não volta

Um estudante do último ano de ensino médio conhece uma aluna transferida e se interessa por alguém que carrega uma perda recente. Ele, editor do jornal da escola e aspirante a escritor, tenta aproximar-se pela via das palavras e de uma curiosidade romântica que confunde admiração com desejo de consertar aquilo que não compreende. Na mesma sala e nos arredores do colégio, ambos tateiam um vínculo frágil, atravessado por dúvidas, expectativas e a pressão típica do fim da adolescência. Nesse cenário aparece “A Química que Há Entre Nós”, dirigido por Richard Tanne e protagonizado por Lili Reinhart e Austin Abrams, adaptação do romance “Our Chemical Hearts”, de Krystal Sutherland, que mantém o foco nas emoções sem recorrer a fórmulas milagrosas.

O enredo apresenta Henry, que fantasia uma história exemplar para viver e escrever, e Grace, que insiste em proteger os próprios limites enquanto tenta reorganizar a rotina após um acidente que alterou sua vida. O interesse dele passa por gestos de cuidado, mas também por uma idealização que não enxerga a assimetria entre o entusiasmo de quem deseja começar algo e a dificuldade de quem ainda lida com lembranças pesadas. Essa diferença orienta o caminho da narrativa e afasta a possibilidade de um conto consolador, mantendo a atenção nas consequências de escolhas que parecem pequenas, mas influenciam a maneira como ambos passam a entender afeto e responsabilidade.

Tanne filma corredores, salas, bibliotecas e quintais com proximidade, favorecendo rostos, mãos, respirações e objetos escolares que contam história por si. Há importância dada ao tempo das conversas, aos recuos após mal-entendidos e às pausas que se prolongam quando alguém não tem resposta pronta. A fotografia prefere luz natural, tons suaves e fim de tarde, compondo ambientes verossímeis. A trilha musical apoia a virada de humor das cenas sem exagero, permitindo que silêncios sustentem tensões entre expectativa e limite. O resultado privilegia nuances do convívio e evita ampliar demais conflitos que pertencem a uma fase da vida em que quase tudo parece urgente.

Lili Reinhart interpreta Grace com firmeza, recusando a ideia de que fragilidade anula autonomia. A atriz preserva zonas de privacidade e comunica exaustão, carinho e cautela com economia de palavras. Austin Abrams constrói Henry como alguém sensível, mas ainda preso à vaidade do narrador que imagina merecer reciprocidade por boas intenções. Quando o personagem percebe que empatia significa aceitar tempos diferentes e respostas incertas, a relação passa a se desenvolver num registro menos idealizado. Essa aprendizagem gradual não cai em lições sublinhadas e se manifesta em decisões práticas tomadas nos estudos, no jornal da escola e na convivência com amigos.

A adaptação respeita a matéria literária e traduz conflitos internos por escolhas visuais simples, como enquadramentos que aproximam ou afastam os personagens conforme a confiança muda. Em vez de procurar símbolos grandiosos, o filme investe em ações corriqueiras, em questionários do jornal, em conversas interrompidas, em visitas rápidas que terminam antes do que Henry gostaria. Quando a narração em off aparece para comentar estados de espírito, por vezes repete informações já presentes nas imagens. Em outras passagens, funciona como registro plausível de um adolescente que pensa tudo em linguagem, ainda que a redundância ocasional dilua a força de certas cenas.

A escola aparece como ambiente de trabalho, amizade e exposição pública. Professores e colegas não existem para fabricar antagonismos artificiais, e sim para mostrar que responsabilidades se acumulam sem aviso e cobram escolhas. O jornal estudantil serve de laboratório de ética: ouvir uma fonte, reescrever um texto e aceitar que uma pauta pode ser adiada são tarefas que espelham a maturidade afetiva que Henry ainda precisa desenvolver. À medida que ele entende que insistência não equivale a cuidado, os encontros com Grace ganham outra qualidade e deixam de girar em torno de uma fantasia de salvamento.

O filme evita spoilers e mantém resguardado o destino final das figuras centrais, mas deixa claro que não trabalha com promessa de cura. A presença da bengala de Grace não é recurso dramático para provocar piedade; é parte da sua rotina e exige respeito. Essa escolha afasta a narrativa de um tipo de melodrama que transforma dor em decoração e reforça a percepção de que luto não segue calendário. Quando Henry tenta adaptar a vida ao que imagina ser um romance perfeito, descobre que sentimento intenso não resolve conflitos que pertencem a outra história, vivida antes de sua chegada.

Tecnicamente, a montagem preserva continuidade e dá tempo às reações, sem pressa em acelerar o crescimento das personagens. O desenho de som valoriza ruídos de ambiente, conversas de corredor e pequenas pausas, elementos que combinam com a proposta realista. O figurino e a direção de arte se detêm em cadernos, post-its e livros sublinhados, vestígios de adolescentes que estudam, trabalham e erram em voz alta. Nada chama atenção para si, o que ajuda a orientar o olhar do público para o comportamento dos personagens e para o modo como a cidade escolar molda hábitos e expectativas.

Há tropeços pontuais. A narração em primeira pessoa, quando insiste em metáforas científicas para explicar reações do corpo apaixonado, pode parecer didática. Em algumas passagens, a imagem polida suaviza uma realidade que pediria textura mais áspera. Ainda assim, as atuações sustentam credibilidade e mantêm a história ancorada em situações possíveis, com diálogos que soam próximos de conversas que se escutam em pátios e bibliotecas. Essa combinação preserva a experiência de acompanhar dois jovens que tentam negociar desejo, memória e compromisso.

“A Química que Há Entre Nós” oferece um olhar atento para encontros atravessados por tempos diferentes. O filme não propõe respostas para perdas irreparáveis e não transforma romance em solução universal. Henry aprende a lidar com frustração, a revisar expectativas e a aceitar que respeito vale mais do que insistência. Grace segue com uma rotina que inclui lembranças difíceis e um futuro que não precisa caber em roteiro alheio. Essa perspectiva coloca o público diante de uma pergunta que permanece após os créditos: como seguir adiante quando o coração pede pressa e a vida insiste em outro ritmo.

Filme: A Química que Há Entre Nós
Diretor: Richard Tanne
Ano: 2020
Gênero: Drama/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★