Às vezes, o passado resolve não passar. Quando buscam uma nova vida, certos indivíduos enfrentam o peso de velhas escolhas, que ressurgem como um incontrolável turbilhão de memórias. Recomeçar é necessário, mas por onde? Existem os que lutam para esconder-se e apagar seus enganos, fugindo do julgamento e ansiando pelo perdão. A verdade, ainda que dolorosa, liberta, mas exige bravura para confrontar fantasmas que não desencarnam. Os embates entre culpa, redenção e identidade são pontos nevrálgicos em “Furioza 2”, alegoria sobre a ambição e um tipo peculiar de gozo. Como em “Furioza” (2021), aqui o polonês Cyprian T. Olencki calcula todo mínimo gesto, pretendendo dar uma orientação ao público quanto à batalha de gângsteres do primeiro filme, mas adicionando os elementos que fazem a história seguir. O roteiro de Olencki conta sobre a ascensão do novo líder de um grupo criminoso com uma pletora de lances rápidos e violentos e alguma margem para arcos quase sublimes.
Golden assume o lugar do irmão, Dawid, no comando da Furioza, uma torcida organizada famosa pelo comportamento agressivo. Esses homens fazem do próprio corpo uma arma, princípio observado com rigor, e querem levar sua cólera para além da Polônia, junto com o tráfico de cocaína. Se Dawid apresentava questões internas que o mantinham numa órbita de humanidade, Golden parece ter assumido de vez sua natureza bestial, ganhando aliados e desafetos com isso. Olencki continua fiel a seu propósito de não glamourizar o submundo, mas deixa claro que não abre mão de causar um desconforto e fomentar o debate. A dimensão política da violência aflora à medida que o personagem central surge fortalecido, poderoso, oferecendo suborno a autoridades e espancando inimigos. Seus subordinados copiam-no, e o caos se instala.
Sem dúvida, o filme torna-se mais perturbador quando começa a ficar mais nítida a relação de Golden e Ewa Drzewiecka, a policial que entrara em sua vida de uma forma um tanto casual e é agora parte de seu futuro. Ela reaparece sem prévio aviso, exigindo que ele coopere com uma investigação, e a engrenagem dessas forças opostas elevam a narrativa a um espetáculo entre grotesco e moralizante, caracterizado pelas lutas de kickboxing e MMA e pela aproximação do bandido e a mulher abnegada que o persegue. Mateusz Damięcki e Weronika Książkiewicz tomam conta de um bom pedaço dos 147 minutos, ora surpreendendo, ora reproduzindo uma fórmula, mas sempre com alguma intenção. Nem que seja a de suscitar um estranhamento prazeroso.
★★★★★★★★★★