Um representante farmacêutico ambicioso muda de território, aprende códigos de persuasão com colegas mais experientes e tenta avançar rápido num mercado que recompensa quem conquista prescrições. No caminho, conhece uma jovem que vive com uma doença neurológica precoce e decide manter vínculos sem promessas. O encontro vira pacto provisório: prazer imediato, nenhuma expectativa. “Amor e Outras Drogas”, dirigido por Edward Zwick, tem Jake Gyllenhaal e Anne Hathaway nos papéis centrais e se inspira no livro de não ficção “Hard Sell: The Evolution of a Viagra Salesman”, de Jamie Reidy. A partir daí, o romance, que nasce informal, passa a revelar medos, orgulhos e limites de ambos.
O avanço profissional do vendedor se dá com medicamentos de alto impacto comercial e depende de treinamentos agressivos, metas mensais, demonstrações em clínicas e aproximação de médicos influentes. Essa rotina ajuda a compreender o protagonista: um sedutor por ofício, habituado a prometer soluções rápidas. Ao se envolver com alguém que não aceita atalhos emocionais e vive com uma condição crônica, sua retórica encontra uma barreira que não se dobra a truques de persuasão. O contraste entre o discurso da eficiência e o tempo real do cuidado, mais lento e sujeito a contratempos, orienta encontros, despedidas temporárias e recomeços vacilantes.
Gyllenhaal interpreta um homem capaz de ler salas, distribuir elogios e escapar quando a conversa pede vulnerabilidade. Hathaway oferece uma mulher que conhece o próprio corpo, recusa piedade e usa humor como forma de preservar autonomia. A química funciona porque não esconde falhas: ele evita compromisso para não perder mobilidade; ela rejeita amarras para não ser tratada como projeto de salvação. Em cenas íntimas, a proximidade entre os dois expõe o desgaste de quem tenta conciliar prazer e limite físico sem ceder o controle sobre decisões corriqueiras, como horários, remédios e deslocamentos.
O filme coloca o cotidiano do mercado farmacêutico como ambiente de pressão constante. Há jantares com médicos, distribuição acelerada de amostras e metas que mudam conforme a concorrência. A trilha musical pontua essa correria sem reduzir emoções a um único tom. A fotografia prefere proximidade, com planos que encurtam a distância entre corpos e conversas. A edição alterna reuniões e consultas rápidas com momentos em que o casal negocia um tipo diferente de cálculo: exposição emocional, pedido de ajuda e franqueza sobre o que o diagnóstico exige no dia a dia.
O retrato da doença evita simplificações. Em vez de slogans sobre superação, aparecem rituais pequenos: comprimidos, idas a especialistas, tentativas de manter independência. A personagem impõe regras para não ser reduzida a paciente, e esse impulso dá ritmo ao relacionamento. Quando sintomas interferem em tarefas simples, o casal testa acordos que antes pareciam suficientes. O filme sugere que cuidado não é caridade, e sim trabalho constante, geralmente invisível, que exige tempo e ajustes. Essa constatação pesa para alguém treinado a viver de vitórias rápidas e números em planilhas.
Os coadjuvantes dão textura social. Oliver Platt surge como mentor que enxerga no jovem vendedor um parceiro para expandir território; Hank Azaria interpreta um médico cuja agenda movimenta prescrições; Josh Gad, no papel do irmão, oferece humor desajeitado e comentários sobre privilégio e maturidade. Essas presenças posicionam o romance dentro de um ecossistema onde lucro, prestígio e favores se alimentam mutuamente. Quando o protagonista precisa escolher entre promoção e responsabilidade com quem ama, a decisão deixa de ser abstrata, pois envolve salário, moradia e expectativas familiares.
Edward Zwick conduz a narrativa com atenção ao vaivém entre euforia e desencanto. O período retratado inclui a expansão de um medicamento que virou fenômeno de vendas, e essa onda arrasta o protagonista para um modo de vida centrado em metas. A relação, por sua vez, pede outra contabilidade: paciência, adaptações e a humildade de aprender tarefas de cuidado. O filme não nega prazer, sensualidade e humor, mas reserva espaço para incômodo e desgaste, duas experiências comuns quando a rotina precisa ser renegociada.
A escrita aposta em diálogos claros e situações reconhecíveis. Não há explicações técnicas longas; há consultas pontuais e conversas sobre autonomia, dinheiro e medo de se tornar peso. A personagem de Hathaway enfrenta médicos e amigos que, com boas intenções, tentam antecipar decisões por ela. Esse combate por voz própria sustenta o centro emocional da história. O vendedor, por sua vez, precisa rever o costume de sair antes da conta e aprender a ficar quando o cenário não favorece ganhos imediatos, algo novo para quem sempre pensou em trimestres.
O humor nasce de mal-entendidos, festas corporativas e tentativas de conciliar agendas. Essas passagens não desvalorizam a doença nem o amor; funcionam como lembrete de que a vida mantém certa ironia mesmo quando nada conspira a favor. Em paralelo, o roteiro insiste na materialidade dos afetos: mudar de cidade tem custo, adaptar a casa demanda investimento, acompanhar consultas exige ausências no trabalho. Esses dados dão corpo ao dilema: a ligação entre os dois cresce, mas o mundo ao redor cobra escolhas que não se resolvem com frases motivacionais.
“Amor e Outras Drogas” acompanha adultos que aprendem a distinguir paixão de responsabilidade sem transformar a história em sermão. O filme coloca lado a lado prazer, carreira e cuidado, e pergunta quanto cada um suporta ceder sem perder quem é. O título sugere a tentação de receitas fáceis, enquanto a experiência mostra que vínculos duram quando há paciência para lidar com recaídas e imprevistos. Resta aos personagens descobrir se a vida compartilhada cabe na mesma agenda que prometia ascensão veloz, questão que só encontra resposta quando o cotidiano deixa de ser terreno de fuga.
★★★★★★★★★★