O filme que toda mulher precisa assistir — no Prime Video Divulgação / Plan B Entertainment

O filme que toda mulher precisa assistir — no Prime Video

O peso das tradições sempre recaiu sobre os ombros dos mais vulneráveis. Costumes que vão passando de uma geração para a outra prestam-se a estabelecer um laço entre o que já passou e o que está por vir, às vezes sem muita atenção aos tormentos silenciosos do hoje. Quando um trauma impõe-se no seio de uma comunidade, exigindo resposta urgente e efetiva, essa herança invisível tecida através dos séculos a fim de moldar comportamentos e identidades, nasce uma questão que precisa ser mediada pela justiça, num balanço delicado entre o indivíduo e o grupo. Excessos criminosos de homens influentes é matéria-prima para diretoras como Maria Schrader, de “Ela Disse” (2022), baseado no livro-reportagem homônimo publicado pelas jornalistas Jodi Kantor e Megan Twohey em 2019, e Kitty Green, que levou à telas “A Assistente” (2019), seu primeiro trabalho ficcional. Em “Entre Mulheres”, Sarah Polley persegue essa ideia ao documentar um escândalo. O estupro sistemático de 150 mulheres e garotas numa aldeia menonita boliviana, entre 2005 e 2009, chamou a atenção da canadense Miriam Toews, que registrou a barbárie no romance homônimo de 2018. Toews, que fixou-se em detalhes como sangue e hematomas nos corpos das vítimas — pessoas de cinco a 65 anos a quem eram ministrados soníferos em doses cavalares —, faz questão de realçar o fato de os agressores serem líderes da seita. Polley, por seu turno, sublinha a luta das agredidas por alguma reparação, o que dá origem a um novo impasse.

Depois da apuração do crime, as mulheres discutem que medidas devem ser tomadas, convocando um plebiscito. Como são todas analfabetas, usa-se um desenho no qual estão postas as sugestões de 1) não fazer nada; 2) ficar e lutar; ou 3) partir. A narrativa ancora-se em nas anotações de August, o único homem que sobrou, e portanto é ele quem guia as impressões do público. Polley — que coescreveu o roteiro de “Adoráveis Mulheres” (2019) com a diretora Greta Gerwig — ameniza esse contrassenso desbastando as muitas camadas das personagens femininas, cada uma símbolo de certa visão de mundo. Ona, a mais idealista, desperta o interesse romântico de August, e o anticasal interpretado por Ben Whishaw e Rooney Mara, é um capítulo à parte. Enquanto August sempre acha uma motivação qualquer para entender as mulheres, Ona lida com a gravidez indesejada após um estupro, mas não quer o mal daquele que a violentou. Um mistério que ele não alcança. 

Ona abre o caminho para que se chegue às indagações propostas por Toews e mantidas pela diretora. A hipótese de estar excluída do Céu a mulher que deixar a comunidade tortura muitas delas, ocasião em que passam ao leito da trama Mariche e Salomé, papéis com que Jessie Buckley e Claire Foy outra vez reforçam o argumento de diferentes sensações para o mesmo horror. Quem está mais próxima da mentalidade conformista e patriarcal difundida na congregação é “Scarface” Janz, e ainda que Frances McDormand venha a aparecer de modo bissexto, capta-se bastante do espírito do livro e do trabalho de Polley em suas falas. “Coragem, seu nome é mulher”, alguém poderia dizer. E essas mulheres não têm mesmo outra alternativa.

Filme: Entre Mulheres
Diretor: Sarah Polley
Ano: 2022
Gênero: Drama/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.