Delicadamente adorável e irresistivelmente encantador — o melhor filme de romance em anos. No Prime Video Divulgação / Film Positive Productions

Delicadamente adorável e irresistivelmente encantador — o melhor filme de romance em anos. No Prime Video

Nos anos 1920, quando a reputação familiar valia tanto quanto dinheiro, anúncios de jornal podiam mediar alianças e promessas de estabilidade. “O Pretendente”, com Júlia Mentes e Barnabás Rohonyi, direção de Krisztina Goda, parte dessa prática para acompanhar um acordo que, aos poucos, se torna compromisso afetivo.

A narrativa acompanha uma jovem educada em colégio religioso que retorna ao convívio doméstico e encontra o destino definido por um aviso no jornal, oferecendo dote a quem aceitasse desposá-la. O pretendente é um pintor de finanças frágeis, atraído pela possibilidade de resolver contas e recomeçar. O encontro entre interesse e necessidade não é tratado como polêmica, e sim como ponto de partida para observar hábitos, protocolos e limites de autonomia. A fotografia privilegia interiores quentes, a direção de arte investe em objetos que indicam classe social e o desenho de figurinos sugere uma passagem gradual da obediência para a autoconfiança, sempre com moderação.

Krisztina Goda administra duração curta e cenas concisas sem atropelo. Em vez de discursos programáticos, aparecem olhares que demoram, silêncios que pesam e pequenos deslocamentos que dão novo sentido a cada gesto. O humor surge em medidas pontuais, sem ridicularizar ninguém, e a música evita sublinhar emoções além do necessário. A mise-en-scène privilegia portas, corredores e mesas de jantar como arenas de negociação; quando alguém se move de um cômodo a outro, altera também o campo de força da conversa. O resultado é uma cadência que permite acompanhar a mudança dos personagens com clareza.

Júlia Mentes propõe uma protagonista atenta, tímida sem passividade, capaz de medir palavras e testar fronteiras com delicadeza. Barnabás Rohonyi interpreta um homem prático que, diante da promessa de estabilidade, descobre curiosidade genuína pela futura esposa. A química não se apoia em arroubos; cresce de forma quase imperceptível, sustentada por pausas e hesitações que comunicam descoberta e cuidado. Entre os coadjuvantes, o pai representa a mentalidade de negócios que ainda regia muitos lares, sem perder traços de afeto. Essa composição dá credibilidade à premissa e cria terreno para o gradual deslocamento do interesse financeiro para a consideração mútua.

O roteiro assume que o casamento arranjado não desaparece com uma epifania. Em vez de ruptura repentina, há aprendizado lento sobre quem é o outro, quais desejos cabem no contrato e o que fica de fora. O dote funciona como lembrança constante de que sentimentos podem ser quantificados quando a sociedade assim determina. A narrativa, porém, não legitima essa moeda simbólica; prefere mostrar como, a partir dela, os personagens reavaliam prioridades e constroem respeito. Nada ali soa anacrônico: a protagonista não abandona convenções de uma hora para outra, e o pretendente não vira herói progressista de folhetim. A aproximação nasce do convívio e de uma ética doméstica que se impõe diante de regras antigas.

O ofício do pretendente adiciona camada observacional. Pintar exige ver, e ver exige tempo. À medida que ele aprende a observar a mulher além do papel de “bom partido”, os quadros deixam de ser mero ganha-pão e se tornam metáfora da atenção que o relacionamento demanda. A câmera acompanha esse refinamento do olhar com movimentos discretos e composições que favorecem planos médios, onde mãos, objetos e roupas comunicam o que as palavras não dizem. Quando a protagonista escolhe um vestido mais sóbrio ou se demora diante de uma janela, o filme sinaliza o amadurecimento de um desejo que precisa caber no mundo em que ela vive.

Como telefilme, a produção trabalha com recursos contidos. São poucos exteriores, número reduzido de figurantes e foco nas casas, ateliê e ruas próximas. Em momentos pontuais, a economia visual comprime a ideia de período histórico e os diálogos assumem função informativa. Ainda assim, a concisão não empobrece a proposta. Ao apostar em espaços reconhecíveis e no trabalho íntimo de atores, o projeto preserva coerência com o recorte narrativo escolhido, sem buscar grandiloquência desnecessária.

A montagem segue lógica de elipses suaves. Mudanças de trilha e cortes entre interiores indicam passagem do tempo e amadurecimento dos vínculos. Não há correria para justificar decisões, nem exposição redundante de conflitos. Quando surgem obstáculos, eles obedecem à razão prática daqueles anos: dinheiro, reputação, conveniências familiares. Essa escolha confere verossimilhança e ancora o drama em dados sociais. Ao mesmo tempo, a direção reserva momentos de respiro em que o espectador percebe pequenos avanços, como a substituição de fórmulas de tratamento ou a partilha de tarefas cotidianas.

O clímax é discreto e evita soluções estrondosas. Em lugar de gestos espetaculares, a conclusão confirma a transformação promovida pelo convívio, com consequências plausíveis para todos os envolvidos. Nada ali depende de coincidências forçadas. A coerência do arco emocional se apoia no acúmulo de detalhes plantados desde cedo e na posição de cada personagem dentro da família e da cidade. Essa coerência também impede que o filme se torne moralista: a narrativa reconhece limites de seu tempo e, dentro deles, identifica brechas por onde a escolha individual consegue respirar.

Além do romance, permanece um comentário sobre como a modernidade dos anos 1920 convivia com hábitos anteriores. Anúncios no jornal, dotes, ateliês, colégios religiosos, salões domésticos e padrões de vestimenta compõem um inventário social que explica atitudes sem reduzir ninguém a tipo. O interesse maior recai sobre a possibilidade de conciliar afeição e responsabilidade num ambiente que valoriza o cálculo. Ao final, resta a impressão de que a delicadeza cotidiana pode sustentar vínculos mais duradouros do que juras ruidosas. Essa conclusão, sustentada por interpretações precisas e por escolhas formais discretas, oferece ao público um retrato de época interessado nas pessoas e na forma como elas aprendem a se enxergar.

Filme: O Pretendente
Diretor: Krisztina Goda
Ano: 2022
Gênero: Drama/Romance
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★