O filme de mistério que conquistou o mundo em 2025 e se tornou um dos mais vistos da história da Netflix Divulgação / Netflix

O filme de mistério que conquistou o mundo em 2025 e se tornou um dos mais vistos da história da Netflix

A história parte de um acontecimento sem aviso: moradores acordam cercados por tijolos que vedam portas e janelas, e a vida cotidiana encolhe ao tamanho do edifício. “Brick” reúne Matthias Schweighöfer e Ruby O. Fee sob direção de Philip Koch. A partir desse arranjo claustrofóbico, a trama observa como o senso de comunidade é testado quando o exterior deixa de existir e cada gesto passa a ter custo material e emocional, com consequências diretas para a manutenção da ordem doméstica e das relações de confiança.

O filme compreende que tensão não nasce apenas do desconhecido, mas da logística de uma rotina desmontada. Em vez de perseguir sustos em série, acompanha tentativas práticas de entender a barreira, medir sua resistência e redistribuir funções entre vizinhos. Martelos, cabos, mapas improvisados e racionamento de recursos dão ritmo à ação. O suspense decorre do esforço para definir prioridades: quem tem acesso ao que, quem decide por todos, quem assume riscos em nome de muitos, quem prefere esperar. Esse conjunto de conflitos revela temperamentos e interesses com progressão nítida, sem recorrer a explicações redundantes.

Schweighöfer e Ruby O. Fee interpretam um casal em fratura, forçado a cooperar num condomínio onde convicções diferentes competem pelo controle. Ele tenta conciliar, ela observa o entorno com senso de urgência. O contraste funciona porque o roteiro posiciona cada um diante de dilemas concretos: dividir ou armazenar, agir ou aguardar, revelar ou ocultar informações. A relação ganha corpo nessas escolhas, e o enquadramento valoriza gestos pequenos, como um olhar de acordo ou uma recusa silenciosa, que pesam mais do que discursos exaltados. A química entre os dois sustenta o ponto de vista humano enquanto o conjunto amplia o alcance social do experimento.

O condomínio aparece como amostra de cidade: jovens, idosos, profissionais de segurança, trabalhadores e oportunistas dividem a mesma parede. Assembleias informais nascem, definem regras provisórias e logo são contestadas por quem enxerga oportunidade de mandar. Há quem transforme a urgência em moralismo, e há quem faça do medo um mecanismo de influência. Nessa arena, notícias incompletas circulam com velocidade, e uma palavra mal colocada acende desconfianças. A concepção desses atritos é convincente porque parte de situações reconhecíveis em reuniões de prédio, intensificadas pela ameaça dos tijolos, o que confere coerência às reações.

A encenação explora o edifício como um corpo vertical. A câmera percorre lances de escada, poços de ventilação e vãos, criando a sensação de mapa em construção a cada avanço. Planos que cruzam lajes aproximam apartamentos antes isolados, e o som enfatiza batidas, estalos e vozes vindas de cima ou de baixo, elementos que definem a geografia do perigo. Quando um grupo decide furar uma parede ou descer por um vão, a narrativa privilegia o procedimento: medir, prender, testar. Não é a surpresa que interessa, e sim o acúmulo de tentativas que podem dar certo ou terminar em feridas visíveis, o que mantém a atenção no concreto do risco.

O conjunto de coadjuvantes é variado e contribui para a leitura social do isolamento. Um síndico de perfil corporativo tenta monopolizar decisões em nome da eficiência. Um policial importa para dentro do prédio uma lógica de comando que nem sempre encontra respaldo. Jovens festeiros, idosos dependentes e famílias com crianças reagem de modo distinto às mesmas informações. Esses níveis de convivência, da vizinhança cordial à disputa por autoridade, se adensam à medida que o tempo passa, e cada grupo precisa justificar escolhas diante dos demais, sob pena de perder acesso a recursos e proteção.

Há momentos em que o texto força atalhos típicos de histórias em espaço fechado, como brigas que escalam depressa ou decisões imprudentes tomadas para estimular o conflito. Ainda assim, a direção preserva a coerência dos impulsos básicos: autopreservação, necessidade de pertencer, desejo de controlar a narrativa coletiva. Quando a trama se afasta de explicações e retorna ao concreto do prédio, volta a ganhar tração, porque a curiosidade sobre a barreira se soma à observação de como as pessoas calculam custos e alianças em horas de incerteza.

O filme também se conecta a temas contemporâneos sem transformar personagens em porta-vozes. Há ecos de debates sobre desinformação, privatização de riscos e desigualdade de acesso a soluções, perceptíveis nas negociações por ferramentas, no controle de depósitos e na administração de boatos. Quando algum personagem tenta instrumentalizar a catástrofe para se afirmar como líder incontestável, a própria dinâmica do grupo responde, seja por fadiga diante do autoritarismo, seja por uma necessidade prática de cooperação. Essa resposta não se dá em discursos, mas em gestos: compartilhar um mapa, ceder uma corda, mudar o ponto de encontro.

A fotografia trabalha com variações de luz conforme os andares e horários, reforçando a passagem do tempo e a sensação de desgaste. A trilha acompanha essa cadência com parcimônia, evitando sublinhar cada virada. A montagem preserva a leitura dos espaços, o que permite entender de onde vem a ameaça e para onde ela pode se expandir. Quando a violência aparece, ela é seca, com marcas no corpo e rachaduras na confiança que reaparecem nas cenas seguintes, como cicatrizes que alteram o convívio.

O interesse maior está menos na origem do bloqueio e mais na observação de como uma comunidade improvisa regras sob pressão. Ao concentrar-se nessa perspectiva, que inclui a gestão do comum em condições extremas e a negociação entre segurança individual e bem compartilhado, “Brick” alcança seus melhores momentos. Resta a pergunta direta que ecoa pelos corredores: que tipo de vizinhança se deseja quando não há garantias externas? A resposta possível nasce do próprio cotidiano retratado ali, em escolhas que continuam a pesar mesmo quando a normalidade ameaça voltar.

Filme: Brick
Diretor: Philip Koch
Ano: 2025
Gênero: Drama/Ficção Científica/Mistério/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★