O cinema de ação vive de decisões em segundos e do preço que elas cobram quando a adrenalina se dissipa. “Ad Vitam” reúne Guillaume Canet, Stéphane Caillard e Nassim Lyes, sob direção de Rodolphe Lauga. Antes de olhar para correrias e choques, a narrativa mede o desgaste de uma carreira em que a coragem vira rotina, até que uma crise doméstica reabre feridas profissionais e afetivas. A partir daí, o filme investiga quanto um passado mal resolvido pode desorganizar qualquer plano de resgate e de futuro. A pergunta que guia as cenas é simples e direta: quanta culpa um veterano suporta enquanto tenta proteger quem ama. Esse eixo mantém o olhar nos corpos e nos efeitos de escolhas precipitadas em ambientes urbanos conhecidos.
Guillaume Canet interpreta um ex-integrante do GIGN que reage menos com palavras e mais com cálculo físico. O ator encontra um ponto de equilíbrio entre cansaço e obstinação, sugerindo experiência sem inflar gestos. Stéphane Caillard confere densidade emocional à parceira, evitando a imagem passiva que costuma rondar personagens em perigo. Nassim Lyes funciona como vetor de ameaça e motor de perseguição, sem cair em caricatura. Quando esses polos se confrontam, as cenas ganham clareza de objetivos, e o filme se beneficia da energia de quem conhece o terreno e age com economia. As relações não são decorativas. As escolhas de cada personagem pesam nos obstáculos seguintes, criando efeito dominó que sustenta a tensão até os últimos movimentos da investigação.
Lauga privilegia uma ação próxima do chão, focada em esforço, respiração curta e improviso. A câmera acompanha mudanças de direção sem confusão, evitando cortes que quebrem a noção de espaço. As locações em Paris, incluindo áreas residenciais e prédios administrativos, viram corredores de decisão com saídas limitadas. Vincent Mathias fotografa com luz dura e tons frios, sublinhando isolamento, medo e vigilância constante. O desenho sonoro evita exageros, favorecendo impactos secos e silêncios que antecipam riscos. Amine Bouhafa preenche lacunas com pulsos discretos que não chamam mais atenção do que o necessário. O conjunto reforça a ideia de que a violência é trabalho e também desgaste, e que a cidade não perdoa hesitações. Essa aposta em movimentos legíveis ajuda a manter a plateia orientada mesmo quando a perseguição muda de bairro ou de nível de perigo.
A narrativa desacelera no miolo com uma longa volta ao passado. O recurso dá contexto às culpas do protagonista e explica rupturas profissionais e afetivas, mas estica além do ponto. O efeito imediato é a perda de ímpeto após uma primeira metade intensa. A pausa informativa funciona como freio e quebra a cadência construída pela ação contínua. Quando a trama retorna ao presente, os riscos voltam a parecer palpáveis e as alianças recuperam interesse. Ainda assim, parte do ar já se foi, e o filme precisa reconquistar a atenção investindo em decisões mais diretas e conflitos que coloquem os personagens em rota de colisão sem explicações desnecessárias. Essa reativação acontece, e o espectador volta a enxergar consequências claras para cada escolha tática e afetiva.
A montagem de Marion Monnier e Yann Malcor busca conservar continuidade espacial durante lutas e perseguições, evitando a tentação de cortar a cada impacto. Em sua melhor versão, a decupagem permite ler quem ameaça, de onde vem o próximo perigo e qual a saída possível. Há passagens em que a ansiedade por intensidade reduz a legibilidade dos movimentos, mas o padrão dominante privilegia clareza. Essa opção combina com a atuação de Canet, que trabalha reações curtas, quedas, tropeços e recuperações rápidas, reforçando a imagem de um profissional que já sentiu o corpo falhar e, mesmo assim, segue adiante. O realismo não depende de sangue em excesso, e sim da lógica de causa e efeito entre ambiente, decisão e ferimento. Quando essa corrente se mantém visível, a tensão cresce sem truques.
O roteiro explora temas de culpa institucional e pacto de silêncio entre forças de segurança, ligando interesses políticos a desvios operacionais que se infiltram no cotidiano. Em vez de apostar em conspirações mirabolantes, prefere conexões verossímeis entre gabinetes e ruas, o que ajuda a manter a história ancorada. O texto não recorre a discursos para resolver conflitos. Prefere diálogos curtos e ações que confirmam ou desmentem promessas. Quando precisa explicar demais, perde o foco no risco imediato. Quando volta a priorizar escolhas em campo, recobra vitalidade. Esse movimento define a experiência de “Ad Vitam” como um filme em que o corpo pensa primeiro e a razão tenta acompanhar sem atrasar.
Os elementos técnicos sustentam a proposta de um thriller direto e físico. A direção de arte valoriza interiores funcionais e exteriores sem glamour, evitando distrair com cenários chamativos. O figurino segue lógica prática, com variações ligadas à função e ao momento. Não há esforço para criar imagem de herói indestrutível. O protagonista erra, cansa, calcula mal, corrige, e esse ciclo humaniza cada enfrentamento. O antagonismo mistura ambição e pragmatismo, mais interessado em resultados do que em discursos. Isso torna negociações tensas e menos previsíveis, alimentando a curiosidade sobre os próximos passos.
Quando a resolução se aproxima, a história retoma a prioridade do aqui e agora. Os passos finais organizam consequências de escolhas feitas no passado recente e no presente imediato. O vínculo afetivo que impulsiona o protagonista volta a condicionar cada risco assumido, e as instituições expostas pelo caminho revelam limites claros. Lançado em 2025, tornou-se a produção francesa mais vista da história da Netflix. O dado reforça o alcance popular de uma proposta apoiada em ação legível, atores experientes e uma cidade tratada como campo de decisões com margem reduzida para erros.
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