Recomeçar numa terra estranha é como nascer de novo. Cada passo exige coragem, pois nada é familiar: o idioma, os costumes, os olhares, tudo parece expor uma diferença que só faz crescer, e o que costumava ser simples vira um desafio. A saudade da terra natal está sempre agitando um lencinho, instigando naquele que partiu a memória do verdadeiro lar. Os dias passam a ser envoltos numa bruma de solidão, e acostumar-se com o novo leva uma sofrida eternidade. O medo do fracasso é um espectro que nunca para de rondar, a vontade de desistir é grande a ponto de trazer prantos convulsos, mas quem foi embora sabe que não há chance de retorno. Pequenas conquistas são o tesouro que se persegue sem esmorecer, e assim se vai vivendo, um dia após o outro, até a realidade incorporar o sonho da mudança que se deseja. “Paz e Chocolate” é um carrossel de metáforas sobre o amargor da guerra frente à implacável necessidade de adaptar-se a uma vida nova, argumento indigesto que o canadense Jonathan Keijser sabe construir com leveza admirável. Tocante, a história real de uma família que só quer um lugar onde possa ter direito ao que qualquer um merece oscila do melodrama para sequências mais cruas, e todas deixam um gosto agridoce de esperança e desilusão com os rumos que a humanidade trilha.
Refugiados da Guerra Civil Síria (2011-2024), os Hadhad chegam a Halifax, Nova Escócia, leste do Canadá, com a pretensão de reinaugurar sua fábrica de bombons artesanais, destruída num bombardeio. Eles são mandados para Antigonish, uma cidade a 160 quilômetros a nordeste da capital da província, e tentam não reclamar da pacatez, do frio excessivo, da distância, concentrando-se na possibilidade de recuperar o negócio. Primeiro fora Tareq, o primogênito, sozinho, largando a faculdade de medicina, mas certo de que poderia retomar os estudos em algum momento. Um problema com o visto de Alaa, a irmã vivida por Najlaa Al Khamri, segura a família no caos do Oriente Médio por três anos, e Tareq vê-se obrigado a achar um meio de convencer o patriarca Issam e Shahnaz, a mãe, a imigrar assim mesmo. Keijser e o corroteirista Abdul Malik exploram os vários ângulos da trama, jogando luz sobre as expectativas muitas vezes divergentes de pai e filho. Tareq não abre mão de ir atrás da carreira que sequer teve início e expandir os negócios, ao passo que Issam exige que o filho mantenha os pés no chão e o ajude, preservando a essência familiar da empresa. Esse embate cresce de forma orgânica, sem maniqueísmos, e o diretor empenha-se em mostrar que ambos têm suas razões para insistir no que planejam. O conflito entre tradição e modernidade é deveras o ponto alto de “Paz e Chocolate”, sobrepujando o debate acerca da tragédia da migração compulsória. A química entre Ayham Abou Ammar e Hatem Ali (1962-2020) têm o condão de abafar uma ou outra deficiência narrativa, tornando esta uma experiência saborosa.
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